domingo, 19 de agosto de 2012

Os tipos de leis da Torá e sua relação com o sacrifício de Jesus - Parte 2

Jesus Cristo e as leis

Pois bem, a alegação comum entre muitos cristãos é de que quando Jesus Cristo consumou seu ministério, aboliu a lei como um todo, isto é, toda a Torá teria sido anulada, dando início a chamada “era da Graça”.

Supondo que esta alegação seja verdadeira, o que se segue daí é que também os dez mandamentos foram abolidos, já que eles fazem parte da Torá. Ou seja, se a Torá inteira foi abolida em função do sacrifício de Jesus, todos os que aceitam esse sacrifício, estão desobrigados de cumprirem mandamentos como não matar, não roubar, não adulterar, honrar os pais e adorar um só Deus.

O problema é que (1) Jesus Cristo ensinava justamente o oposto e (2) tanto Cristo como seus seguidores citaram os dez mandamentos favoravelmente, observando que eles faziam parte da lei e, por isso, deveriam ser seguidos. O que se conclui disso é que nem todas as leis presentes na Torá foram abolidas.

Agora, como nós podemos saber o que foi abolido e o que não foi? Afinal, é fato que existem leis da Torá que nós não cumprimos mais. A resposta está na lógica. Leis que expressam comportamentos morais para com Deus e para com o próximo, evidentemente, constituem um conjunto de leis imutáveis e que não teriam porque ser abolidas.

Já não é o caso das leis cerimoniais, que, como já vimos, tinham a função de simbolizar o sacrifício de Jesus, além de ser o meio pelo qual o pecador reconhecia que apenas Deus poderia perdoá-lo, limpá-lo e salvá-lo de seu pecado.

Ora, tendo vindo Jesus Cristo, a existência de rituais que simbolizavam o seu sacrifício vindouro e serviam de expressão de fé para o povo, simplesmente deixou de ter importância. O objetivo dessas leis se cumpriu quando Cristo morreu e, por isso, se tornaram obsoletas.

Quanto às leis civis, eu não gosto de dizer que elas foram abolidas. Em vez disso, eu prefiro dizer que elas passaram por uma recontextualização histórica. O que quero dizer é: leis civis são, e sempre foram, leis contextuais. Isto é, elas são criadas para uma sociedade específica, num contexto histórico, político e cultural também específico. Ignorar este fato é a mesma coisa que exigir que uma lei criada no México, em 1927, deva ser seguida pelos brasileiros, nos dias de hoje. Isso não faz sentido nenhum. Leis civis sempre são criadas e modeladas de acordo com a situação de um determinado país e variam muito de lugar para lugar e de tempo para tempo.

Na Bíblia tal fato é muito bem visualizado. Jesus, por exemplo, não seguiu as mesmas leis civis do contexto histórico de Moisés, mas seguiu as que estavam sendo impostas, em seu contexto, pelo Império Romano. De igual forma, todas as vezes que Deus permitiu que os israelitas fossem dominados por algu-ma nação, as leis civis que passaram a valer foram as da nação dominadora e não as de Israel da época de Moisés.

Voltando a Cristo, uma de suas frases mais famosas não deixa dúvidas de que as leis civis são contextuais. Ele diz assim em Mateus 22:21: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Nesta ocasião, Jesus Cristo havia sido questionado pelos mestres da Torá se era lícito, perante Deus, pagar tributos a César, o que, sem dúvida, legitimava as leis civis de Roma, em detrimento das leis civis judaicas. A idéia dos mestres era pegar Jesus em uma contradição. Se Cristo dissesse que era lícito, seria acusado pelos mestres e pelo povo de ir contra as leis de Deus. Mas se dissesse que era ilícito, seria acusado de ir contra as leis romanas e levado à corte romana pelos próprios mestres.

E o que Jesus fez? Nem foi contra a lei de Deus e nem contra a lei romana. Simplesmente fez com que todo mundo ali entendesse que leis civis são contextuais e que, por isso, sendo César o legislador da época, eram as leis civis dele que deveriam ser seguidas. Em bom português, o que Jesus Cristo disse quer dizer: “Siga as leis civis vigentes no lugar e no contexto em que você vive”.

O apóstolo Paulo complementa com propriedade:
Todo o homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus [se Deus não der permissão, ninguém sobe ao poder]; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação (Romanos 13:1-2).
Portanto, no que tange as leis civis da Torá, por elas serem contextuais, como quaisquer outras leis civis, seu cumpri-mento acaba ocorrendo quando cumprimos as leis civis vigentes no contexto em que vivemos. Ou seja, leis civis ainda valem, só que diferem de lugar para lugar e de tempo para tempo. As leis civis dos Hebreus da época de Moisés foram para aquele contexto e não podem ser aplicados em outros contextos.

Por fim, com relação às leis de saúde, embora existam muitas objeções à sua validade nos dias de hoje (das quais fala-rei nas notas do autor, no fim do livro), o fato é que elas não são contextuais e nem cerimoniais. Elas não são contextuais porque todas as pessoas, como pertencendo a Deus, devem cuidar bem de seus corpos – o que, é de interesse da própria pessoa que o faz, aliás – não importando em qual contexto vivem. E, também não são cerimoniais porque a boa saúde do povo de Deus jamais foi símbolo do sacrifício de Jesus, mas obrigação de cada pessoa para com o seu corpo.

Sendo assim, não há porque postular que leis de saúde foram abolidas por Cristo. Isso nem sequer faria sentido, já que o Novo Testamento afirma que nós somos habitação do Espírito Santo (I Coríntios 6:19) e que devemos conservar íntegros todo o nosso ser – espírito, alma e corpo (I Tessalonicenses 5:23).

Além disso, se um cristão não cuida bem de sua saúde, não poderá ser protegido de doenças, e ficando doente, pode vir a atrapalhar objetivos do Senhor em sua própria vida; o que não deixa de ser ingratidão para quem morreu para nos dar vida; e vida em abundância.

Então, em resumo, vimos que nós devemos seguir as leis civis do contexto em que vivemos; que as leis de saúde ainda são importantes; e que as leis morais são imutáveis. Somente, então, as leis cerimoniais é que perderam, de fato, a validade; não no sentido de terem sido quebradas por Jesus, mas porque justamente elas apontavam para ele. Em outras palavras, Jesus era o cumprimento da lei cerimonial.

Se o leitor entendeu bem esse último parágrafo, podemos agora analisar o contexto de algumas passagens existentes no Novo Testamento que falam sobre leis para saber a que tipo de lei elas se referem, se de saúde, civis, cerimoniais ou morais.

Quero começar com o capítulo 5 de Mateus. A partir do versículo 21, Jesus inicia uma série de citações aos dez manda-mentos e a forma errônea e/ou superficial de como os mestres judaicos os interpretavam. O primeiro mandamento que ele cita é: “Não matarás”. E ele se aprofunda no mandamento, dizendo que guardar ira é tão ruim quanto matar. Afinal, o princípio do sentimento homicida é a ira.

O segundo mandamento do decálogo que Jesus cita, no versículo 27, é: “Não adulterarás”. E aqui também ele estende o mandamento; estende para a questão dos pensamentos lascivos, que são o princípio para que haja o adultério.

No mesmo discurso Jesus ainda vai falar sobre questões como juramentos, vingança e amor ao próximo. Ou seja, está claro que Jesus está falando sobre leis morais. E está muito claro que ele não faz menção em abolir nenhuma dessas leis, mas ao contrário, ele se aprofunda a compreensão sobre a lei.

Da mesma maneira, o apóstolo Paulo, quando fala sobre a lei no capítulo 7 de Romanos, não deixa dúvida de que fala sobre leis de aspecto moral. Diz assim a passagem:
Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, está morto o pecado.
Há quem diga que Paulo está colocando a culpa do pecado na lei, nesta passagem, por ele dizer que sem lei não há pecado. No entanto, o que Paulo faz aqui é reconhecer que a lei não é pecado e que por meio dela ele tem a capacidade de discernir o que é errado. Ou seja, a lei tem um papel positivo, pois se não há lei, não se pode discernir o que é pecado. Paulo ainda faz questão de especificar que está falando sobre leis de aspecto moral, mencionando um dos dez mandamentos. Embora escreva difícil, o apóstolo vai clareando o conteúdo da passagem de maneira gradativa:
Outrora, sem lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri. E o mandamento que me fora para a vida, verifiquei que este mesmo se tornou para morte. Porque o pecado, prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento, me enganou e me matou. Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom.
Ou seja, a lei moral é boa; o mandamento de não cobiçar também é, mas a inclinação ao pecado, que existe em cada pessoa, é mais forte que ambos, o que faz com que o próprio fato de olhar para a eles, já lhe dê vontade de pecar. Tendo dito isso, Paulo começa a descrever a terrível situação do ser humano em sua inútil luta interior para seguir a santa lei moral:
Acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa [a lei], causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se me mostrasse sobremaneira maligno. Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto.
Trata-se do velho problema: O bem que queremos fazer, não fazemos e o mal que não queremos fazer, esse nós fazemos. O apóstolo ainda ressalta, confirmando o que já disse a pouco, que o problema está com ele (o ser humano) e não com a lei moral e os mandamentos. Por isso ele continua:
Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Neste caso quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim.
Esta parte é linda. O apóstolo afirma que o querer bem está no homem, pois o homem foi criado para ser bom e tem uma lei moral dentro de si. Mas, em sua carne habita o pecado. Então, por mais que ele queira se livrar de sua iniqüidade, não consegue. É mais ou menos a situação que vimos nos capítulos 5 e 7. Até aqueles que querem fazer o certo, não conseguem ser totalmente corretos perante Deus. Aí o leitor já começa a entender aonde Paulo quer chegar. Em todo o momento ele exalta a lei moral, mas deixa claro que não é capacitado para cumpri-la. O cenário é angustiante, no entanto, a solução é colocada mais adiante:
Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei [moral] de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado corpo que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado.
Glória a Deus pelo versículo 25! É nele que está a solução. A angustiante situação descrita por Paulo desde o versículo 7 tem a solução em Jesus Cristo. A aceitação sincera do sacrifício de Jesus inicia uma regeneração sem igual. E a respeito dela Paulo fala no capítulo seguinte, o oitavo, dizendo:
Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.
Não analisarei todo o capítulo 8, mas fica claro por tudo o que lemos até aqui, que assim como Jesus Cristo, Paulo não condenou a lei moral, antes, a elogiou, lembrando, no entanto, que o ser humano não é capaz de cumpri-la sozinho. Ele mostra que só a lei não adianta para o homem. A lei sozinha apenas condena, pois por ela vemos nossos erros e nossa impossibi-lidade de mudar sozinhos.

Contudo, mediante Cristo e mediante o Espírito Santo de Deus, somos capacitados a vencer a cada dia a nossa iniqüidade. É neste sentido que tantas vezes Paulo dizia que não estávamos na lei. A lei não tem mais a capacidade de condenar à morte quem aceita a Cristo cm sinceridade. O pensamento é comple-mentado em Gálatas 2:20, com Paulo dizendo: “Cristo vive em mim”.

A epístola de Tiago também é bem instrutiva no que diz respeito à lei moral. No seu capítulo 2, a partir do versículo 8, é possível ler:
Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem; se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo argüidos pela lei como transgressores. Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei.
Não há dúvidas de que Tiago está falando da lei moral, mais precisamente, dos dez mandamentos, base para o aspecto moral da Torá. E assim como Paulo, Tiago não condena a lei moral, pelo contrário, relembra às pessoas que ela deve ser seguida e por completa.

O apóstolo João também nos traz uma contribuição preciosa ao dizer:
Todo aquele que transgride o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei. Sabeis também que ele [Deus] se manifestou para tirar os pecados, e nele não existe pecado (I João 3:4-5).
Aqui João define pecado como “transgressão da lei”. Se o pecado é a transgressão da lei e nós não devemos pecar, então isso significa que nós não devemos transgredir a lei. E se não devemos transgredir a lei é porque ainda existe uma lei para ser seguida por nós. Assim, as evidências de que Jesus Cristo não aboliu todas as leis são muito fortes.

Até agora vimos apenas passagens que falam sobre as leis morais. De fato, o Novo Testamento se restringe a discursar explicitamente sobre leis morais e leis cerimoniais. Sendo assim, vamos analisar agora algumas passagens que falam sobre as leis cerimoniais. Como a maior parte das passagens que fazem refe-rência a este assunto foi escrita por Paulo, faz-se necessário res-saltar os motivos pelos quais ele gostava de enfatizar o tema.

Paulo era um legítimo e sincero judeu; e, em sua época, o judaísmo estava muito voltado para a ideia de salvação por obras, tal como as outras religiões. Todo o ritualismo havia per-dido o seu verdadeiro significado. As pessoas sacrificavam ani-mais simplesmente por sacrificar, crendo que Deus se importava com sangue. As festas e os jejuns eram mecânicos e o tradicio-nalismo enchia a religião de fardos; regras que não estavam nas Escrituras Sagradas, mas que eram inventados pelos mestres da lei, como um modo de serem mais aceitáveis e merecedores das bênçãos de Deus.

Então, quando Jesus Cristo veio e iniciou uma renovação no interior das pessoas, mostrou que nada que o homem fizesse o salvaria ou renovaria, a não ser aceitá-lo como sendo Senhor e deixar-se limpar pelo Espírito Santo de Deus.

Contudo, muitos judeus que se converteram, influencia-dos pelos pensamentos legalistas da época, não conseguiam acreditar que só a aceitação do sacrifício de Jesus era suficiente para salvá-los. Para eles, era preciso aceitar Jesus, mas continuar com as práticas ritualísticas judaicas, como a circuncisão dos meninos. Tais judeus foram chamados judaizantes e eram um grande problema para os gentios que queriam se converter, pois impunham os rituais judaicos para serem salvos.

Por esse motivo, quando Paulo se tornou um cristão, ele percebeu que o quanto a idéia de salvação por obras da lei era contrária ao cristianismo. Era uma heresia, pois tirava o mérito de Jesus na cruz. O penoso sacrifício do Messias se tornava insuficiente para salvar o ser humano. E o cristianismo passava a ser uma religião complicada, por conta do embate que havia entre os cristãos e os judaizantes, afastando os que desejavam se converter a Cristo.

O livro de Atos dá uma prévia dos problemas que seriam formados pelos judaizantes, no capítulo 15, dizendo:
Alguns indivíduos que desceram da Judéia ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos. Tendo havido, da parte de Paulo e Barnabé, contenda e não pequena discussão com eles resolveram que esses dois e alguns outros dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, com respeito a esta questão.
A passagem continua, mas o que gostaria de ressaltar é o finalzinho da resposta que Pedro, discípulo direto de Jesus, oferece sobre a questão, nos versículos 10 e 11, na reunião, em Jerusalém. Diz assim o discípulo:
Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós? Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram.
Quando Pedro diz que nem os seus pais e nem eles suportaram o jugo da antiga aliança, está mostrando como que as leis cerimoniais eram pesadas, não só porque eram numero-sas, detalhistas e metódicas, mas porque não os salvavam e nem tinham o poder de transformá-los interiormente. Por isso eram fardos.

O que de fato salvava na antiga aliança era a confiança de que Deus era misericordioso e faria algo para resolver o problema do homem. Era a confiança de que os sacrifícios de animais significavam algo maior; e que viria um Salvador da parte de Deus. E agora, que o Salvador já tinha vindo, e que era fundada a nova aliança, não havia porque retornar aos fracos rudimentos das leis cerimoniais.

Sabendo da existência desse embate entre cristãos e ju-daizantes, é mais fácil entender o teor das epístolas de Paulo. A respeito do que acabei de falar, por exemplo, o apóstolo diz em Gálatas 4:8-11:
Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são; mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco.
Consegue ver? Exatamente o mesmo assunto do capítulo 15 de Atos. Isso é tão claro que, ainda na mesma carta, no capítulo 5, Paulo diz:
Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão. Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei. De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes. Porque nós, pelo Espírito, aguardamos a esperança da justiça que provém da fé. Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor
Não há do que discordar. O apóstolo está falando de circuncisão, portanto, de leis cerimoniais. É o assunto principal da epístola, o que mostra que os judaizantes continuavam a ser uma pedra no sapato dos cristãos. Por isso Paulo enfatiza: “De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes”.

Mas para que não reste nenhuma dúvida, volto ao capítulo 3, para verificar se o contexto ainda é o mesmo que lemos nos capítulos 4 e 5. E qual não é a surpresa quando vemos a partir do versículo 24:
De maneira que a lei nos serviu de aio [tutela] para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados pela fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio. Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa.
Repare em duas coisas. A primeira: Paulo diz que a lei serviu para nos conduzir a Cristo. Qual era mesmo a função da lei cerimonial? Indicar, apontar, prever, que Jesus Cristo viria a terra e morreria por nós. 

A segunda: Paulo tem o cuidado de dizer que aceitando Jesus Cristo somos descendentes de Abraão, herdeiros da promessa e assim não há diferenças entre ninguém, nem mesmo judeu e grego. Por que Paulo utiliza essas palavras? Simples. Porque a epístola é contra as práticas judaizantes. Os judaizantes não eram nada mais nada menos do que judeus que não queriam perder orgulho de ser judeus, tanto no que diz respeito à nação quanto no que diz respeito à religião.

Portanto, quem quisesse ser salvo tinha que virar judeu e ser circuncidado, tornando-se descendente de Abraão e só então herdeiro da promessa. Jesus tornava-se apenas mais um ritual judaico. Nada mais. Por isto Paulo tem o cuidado de selecionar estas palavras. A epístola, claramente, combate o movimento judaizante.

Mas, afinal, por que estou batendo tanto nesta tecla? Porque chegamos a um ponto crucial. Não há nada que indique, em absolutamente nenhum lugar, que as leis morais foram abolidas, como muitos sustentam. Quando os autores do Novo Testamento falam sobre leis abolidas, sempre estão falando sobre rituais judaicos. Basta o leitor analisar o contexto. Uma olhada no capítulo da passagem duvidosa, na passagem anterior e na passagem posterior e isso é o suficiente para saber sobre qual lei se fala.

Portanto, Jesus Cristo não quebrou lei nenhuma, e muito menos quer que os cristãos quebrem ou ensinem que foram que-bradas. O que ele fez foi confirmar que as leis civis são contex-tuais e que as leis cerimoniais tiveram seu cumprimento em sua própria pessoa, quando ele morreu na cruz. Por isso, era tolice querer guardar leis civis do contexto de Moisés e seguir rituais que apontam para algo que já aconteceu.

Porém, a lei moral, baseada nos dez mandamentos, e as leis de saúde (que fazem sentido ainda nos nossos dias), não têm porque terem sido abolidas. E, de fato, não existe nada no Novo Testamento que indique que foram.

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