quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sobre as leis bíblicas de saúde


A grande maioria dos cristãos acredita que Jesus aboliu as leis de saúde contidas no Antigo Testamento. Mesmo aqueles que ainda creem na validade dos dez mandamentos, costumam a sustentar que as leis de saúde eram cerimoniais e que no Novo Testamento existem passagens que anunciam a sua abolição.


Como já sustentei em outra postagem, não faz sentido dizer que as leis de saúde são cerimoniais. Não há nada de cerimonial, ritualístico ou simbólico em cuidar de sua saúde e abster-se de alimentos prejudiciais ao organismo. Pelo contrário, elas têm um caráter prático; expressam a preocupação de Deus com o nosso corpo e, se seguidas, nos possibilita viver com mais qualidade e por mais tempo.



No que diz respeito aos textos bíblicos que supostamente provam que as leis de saúde foram abolidas, é necessário que se faça uma análise mais cuidadosa do que essas passagens dizem, pois, na realidade, não existe um texto no Novo Testamento que diga explicitamente: “agora podemos comer alimentos imundos, tais como carne de porco e camarão”. Sendo assim, convido o leitor a analisar esses textos comigo.



Em I Coríntios 10:25-26, o apóstolo Paulo afirma:
Comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência, porque do Senhor é a terra e a sua plenitude.
Diante desse texto, muitos concluem que agora, na Nova Aliança, os cristãos podem comer o que quiserem. A pergunta é a seguinte: de que assunto o apóstolo estava falando? Era sobre uma disputa entre os cristãos a respeito dos alimentos puros e imundos? Era sobre a dúvida de se as leis de saúde tinham sido abolidas ou permaneciam? Não, nada disso. O tema sobre o qual o apóstolo falava era o das carnes sacrificadas aos ídolos. Veja o que Paulo continua dizendo depois:
Se algum dentre os incrédulos vos convidar, e quiserdes ir, comei de tudo o que for posto diante de vós, sem nada perguntardes por motivo de consciência. Porém, se alguém vos disser: ‘Isto é coisa sacrificada a ídolo’, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; consciência, digo, não a tua propriamente, mas a do outro.
Então, já percebemos que Paulo não está interessado em falar sobre as leis de saúde, mas sim sobre alimentos oferecidos aos ídolos. Em sua linha de raciocínio, não havia problema em comer alimentos oferecidos aos ídolos porque o ídolo em si não é nada. Contudo, havia cristãos que se escandalizavam com os que comiam; e, por isso, Paulo, por consideração a esses e para evitar problemas, afirmava que era bom que se abstivesse. Essa é a mensagem que Paulo quer passar.



Portanto, quando Paulo diz: “Pode comer de tudo o que se vende no mercado e de tudo o que te oferecerem na mesa”, ele está pensando apenas na questão dos alimentos oferecidos aos ídolos. Tentar expandir esse “tudo” para absolutamente tudo o que existe é tão errôneo do ponto de vista do contexto que me daria margem para dizer que “tudo” inclui bebidas alcoólicas, a ração do meu gato, o meu cachorro de estimação, o estrume do cavalo, as ratazanas do esgoto, as girafas, os elefantes e até o ser humano. Se qualquer uma dessas coisas for colocada na mesa para eu comer ou forem vendidas em um mercado, eu posso comer. É isso mesmo? Claro que não. Esse “tudo” se refere só aos “alimentos oferecidos”. O contexto é claro.



Vejamos agora o texto de I Timóteo 4:1-4. A passagem diz o seguinte:
Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que tem cauterizado a própria consciência, que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo o que Deus criou é bom, e, recebível com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado.
Segundo a interpretação da maioria, o que esse texto está dizendo é que nós podemos comer todo o tipo de animal porque todo o tipo de animal foi criado por Deus para servir de alimento ao ser humano. E mais: qualquer coisa que se receba com ações de graça pode servir de alimento. 



Agora, raciocinemos. Repare que o apóstolo está falando de um tipo específico de alimentos. Ele diz “alimentos que Deus criou para serem recebidos”. Assim, é óbvio que Paulo não está pensando, por exemplo, na coxa de um ser humano ou em uma ratazana de esgoto. Essas coisas, tais como também porco, camarão e urubu, não foram criadas para servirem de alimento, mesmo que se dê graças a Deus por eles. Tudo o que Deus criou é bom sim, mas cada coisa para a sua devida função.



Continuando o raciocínio, vemos que o apóstolo afirma que “nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado”. Notou? Ele não afirma simplesmente que nada é recusável e pronto. Paulo apresenta um argumento para que nada seja recusável. O argumento pode ser montado assim:
(1) tudo aquilo que é santificado pela Palavra de Deus (a Bíblia) e pela oração, não é recusável; 
(2) alimentos criados para serem recebidos são alimentos santificados pela Palavra de Deus; 
(3) logo, nenhum alimento santificado pela Palavra de Deus (e pela oração) é recusável, pois todos eles foram criados para serem recebidos com ações de graças.
Ou seja, existe uma condição para que um alimento não seja recusável: ser santificado pela oração e pela Bíblia. Então, é lógico que esse “nada é recusável” se refere justamente ao tipo de alimento que “Deus criou para ser recebido”. Os que ele não criou para tal, não estão nessa lista. Os tipos de alimentos que servem para comer são listados em Levítico 11 e Deuteronômio 14; livros que compõem a Palavra de Deus.



Mas o que é mais interessante ressaltar no texto é que ele se encaixa com perfeição no sistema romanista. É esse sistema que, através da igreja católica, proíbe o casamento de membros do clero (o que a Bíblia não proíbe) e que exige a abstinência de carne vermelha na sexta-feira santa (carne esta que é limpa, ou seja, Deus criou para ser recebida). Então, se existe um sistema atual se adéqua a esse texto, esse sistema é o romanista.



Leiamos agora a passagem de Marcos 7:14-23. Ela diz o seguinte:
Convocando ele [Jesus], de novo, a multidão, disse-lhes: Ouvi-me, todos, e entendei. Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina. Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça. Quando entrou em casa, deixando a multidão, os discípulos o interrogaram a cerca da parábola. Então, lhes disse: Assim vós também não entendeis? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para lugar escuso? E, assim, considerou ele puros todos os alimentos. E dizia: O que sai do homem, isso é o que contamina. Porque dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos esses males vêm de dentro e contaminam o homem. 
Penso que o ponto principal desse texto é o verso que diz que Jesus considerou puros todos os alimentos. Com certeza nós podemos dizer que, se o contexto está afirmando que todos os alimentos são puros, então essa frase é suficiente para destruir tudo o que sustentei até aqui.



Mas vamos analisar o contexto. Tudo começa no início do capítulo 7, quando os fariseus observam que os discípulos de Jesus comiam pão com as mãos impuras, ou seja, sem que as tivessem lavado. Para os fariseus, uma pessoa que não lavasse as mãos cuidadosamente antes de comer era impura. Não impura no sentido físico da palavra, mas no sentido espiritual. Também esse “lavar as mãos” apresentava um modo todo especial de se fazer, porque era encarado mesmo como um ritual.



No versículo 3 podemos ler:


(...) interpelaram-no os fariseus e os escribas: Por que não andam os seus discípulos de conformidade com a tradição dos anciãos, mas comem com as mãos por lavar?

Veja, leitor, que o contexto da passagem é uma discussão com relação a uma tradição dos anciãos. Era a tradição de lavar as mãos, não como simples higiene, mas como ritual. Tradição é algo que não está na Bíblia. Ou seja, aquele ritual era invenção dos fariseus.



Por que os fariseus inventariam aquele ritual? Bem, nós já sabemos que a seita farisaica havia surgido dois séculos antes de Cristo com a proposta de levar o povo a seguir as leis divinas a todo o custo. Por isso, passaram a criar diversas regras que não constavam nas Escrituras que dificultassem seu desvio e que os fizessem mais santos aos olhos de Deus.



A questão das mãos parece estar intimamente ligada com a questão dos alimentos impuros. Era lei de Deus para os judeus que não comessem tais alimentos, pois eram impuros. A lei era de cunho higiênico, mas entendia-se que ela tinha uma dimensão espiritual. Então, os fariseus começaram a raciocinar que se suas mãos estivessem impuras também, o alimento também passaria a ser. E assim eles estariam pecando. Higienicamente falando, o pensamento deles faz sentido. O problema é que eles resolveram fazer disso um ritual sagrado. E agora queriam condenar os dis-cípulos de Jesus por isso.



Jesus, então, começa a discursar sobre a hipocrisia dos fariseus em seguir inúmeras tradições inventadas, em detrimento das Escrituras. Só depois disso, ele fala sobre a questão de que todo o alimento que se ingere não contamina o homem.



Agora, vamos às questões:



(1) Qual é o tema central da passagem?



Resposta: O conflito entre a tradição dos anciãos e o que está escrito na Palavra de Deus.



(2) Esse tema central emerge de que situação?



Resposta: Da acusação dos fariseus de que os discípulos de Jesus estavam quebrando a tradição do “lavar as mãos”.



Alguma dúvida até aqui? Agora, vem a questão mais in-teressante:



(3) Se o tema central da passagem é o conflito entre a tradição dos anciãos e a Palavra de Deus; e se esse tema emerge da acusação da quebra da quebra da tradição do “lavar as mãos”, o que significa “considerou ele puro todos os alimentos?”.



Perceba que se entendermos que Jesus está dando o aval para quebrar as leis de saúde do Antigo Testamento, a sua frase fica totalmente fora de contexto. Não eram as leis de saúde que estavam sendo discutidas. Não era a questão dos alimentos im-puros de Levítico. E muito menos Jesus estava falando contra a lei, pelo contrário, Jesus estava falando contra as tradições e a favor da lei contida na Palavra de Deus. Então, é evidente que Jesus não está dando o aval para comermos de tudo. Mas o que Cristo quer dizer com esta frase?



Voltemos ao contexto. De onde surgiu aquela discussão sobre Palavra de Deus versus tradição? Da tradição do “lavar as mãos”, não é mesmo? Quem não seguia essa tradição, por estar com as mãos “impuras”, tornava impuro o alimento que ingeria, correto?Assim, ao comer o alimento impuro, a pessoa se tornava impura (segundo os fariseus), certo? Então, Jesus afirma que o que entra pela boca não é impuro e sim o que sai dela. A que Jesus se refere? A todos os alimentos que existem ou a todos os alimentos que uma pessoa come sem lavar as mãos? É lógico que a opção correta é a segunda. Ela sim está dentro do contexto da discussão que acabava de ocorrer.



Jesus provou, com aquela frase, que as mãos “impuras” não eram capazes de contaminar espiritualmente o homem, que era o que os fariseus sustentavam. O que contaminava, na área espiritual, era o que saía pela boca, pois o que sai pela boca é o que está no coração. E se o coração está repleto de coisas ruins, o homem está contaminado, e é isso que sairá por sua boca.



Quer a prova bíblica do que estou falando? Corre para o capítulo 15 de Mateus. A história narrada ali é a mesma, só que do ponto de vista do evangelista Mateus. Veja qual é a última coisa que Jesus fala neste relato:
Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas o comer sem lavar as mãos não o contamina (Mateus 15:19-20).
Preciso dizer mais alguma coisa?! Mas para que o leitor fique ainda mais seguro de que Jesus não estava abolindo as leis de saúde, vamos analisar uma passagem de Atos que mostra claramente o que Pedro pensava sobre o tema. O texto está no capítulo 10 e narra que Pedro teve um sonho no qual estava com fome e descia do céu um lençol com animais imundos. Veja o que acontece em seguida:
E ouviu-se uma voz que se dirigia a ele: Levanta-te, Pedro! Mata e come. Mas Pedro replicou: De modo nenhum, Senhor! Porque jamais comi coisa comum e imunda. Segunda vez, a voz lhe falou: Ao que Deus purificou não consideres comum. Sucedeu isto por três vezes, e, logo, aquele objeto foi recolhido ao céu (Atos 10:13-16).
Se pararmos por aqui, qualquer um dirá que Pedro ainda tinha costumes judaicos e que Deus resolveu mostrar a ele que aqueles costumes não precisavam mais ser seguidos. Só que a passagem continua, mostrando que um centurião romano queria ouvir as palavras de Pedro sobre Jesus. Então, ele manda alguns homens até o apóstolo para chamá-lo a sua casa. O clímax do texto é quando Pedro chega à casa do centurião. Preste atenção no que o apóstolo vai dizer:
Vós bem sabeis que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça; mas Deus me demonstrou que a nenhum homem considerasse comum ou imundo; por isso, uma vez chamado, vim sem vacilar (Atos 10:28-29).
Percebeu? Pedro consegue compreender que o sonho que teve era uma parábola. Os animais impuros simbolizavam quem não judeu. Os judeus nutriam um orgulho tão grande que não se permitiam (e nem eram permitidos pelos doutores) se juntarem aos gentios. Só que Deus queria espalhar o evangelho por todo o mundo. Aquele preconceito não era bíblico. Então, Deus mostra isso ao apóstolo através de uma metáfora. Pedro ainda continua depois disso:
Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável. Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos (Atos 10: 34-36).
Agora, vamos amarrar as coisas. Pedro, anos depois da assunção de Jesus, afirma que nunca comeu coisa impura e que ainda se considerava judeu (Atos 10:28). Ele fica admirado com o sonho que teve (pois parecia contrário a lei de Deus), procura entender o seu significado e, por fim, compreende que o sonho se referia aos gentios; era uma exortação a pregação do evange-lho a todos os povos. Pergunto eu: a passagem indica que as leis de saúde foram abolidas? Não! A passagem mostra que Pedro continuava fiel às leis de saúde? Sim! O texto indica que depois do sonho, Pedro começou a comer porco e camarão? Não!



Eu poderia refutar a interpretação de outras passagens do Novo Testamento sobre essa questão das leis de saúde, mas não quero me tornar redundante. Se você entendeu o que leu até aqui, está apto para refutar quaisquer interpretações. Mas quero terminar fazendo o leitor pensar mais um pouco. Se as leis de saúde realmente foram abolidas, por que foram dadas? Se Deus não muda, por que privaria os judeus de comerem alimentos que “foram feitos para ser recebidos” e depois permitiria que esses alimentos fossem recebidos pelos cristãos? Se o leitor não con-cordou com minha análise, ao menos pense sobre isso.

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