segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Argumentos para a existência de Deus - Parte 5: Argumento Ontológico

Ok. Já vimos aqui 4 argumentos lógicos para a existência de Deus. Na ordem, o argumento cosmológico, o teleológico, o moral e o da razão humana. Se o leitor está acompanhando os argumentos, já entendeu como funciona: só raciocínio lógico. Nada de fé cega, como dizem alguns ateus.

Bem, o argumento que vamos ver hoje é um pouco mais complexo de entender do que os outros. E também um argumento estranho. É bom avisar logo, para que caso você não entenda, não ache que é uma pessoa ignorante ou até mesmo que eu estou tentando te enrolar. Esse argumento é mais difícil que os outros mesmo. Mas eu peço que não abandone a leitura agora, amigo leitor. Farei o máximo para deixar o argumento bem claro para todos. Vamos lá?

Introdução

O argumento ontológico foi formulado pela primeira vez pelo teólogo Anselmo de Cantuária (1033-1109), porém, apresenta algumas versões um pouco diferentes feitas por outros estudiosos ao longo do tempo. A versão que colocarei aqui é minha. Eu tentei fazê-la de uma forma que ficasse o mais compreensível e simples possível. O resumo da minha versão é assim:
(1) É possível que exista um Ser maior que tudo (uma hipótese válida); 
(2) um Ser maior que tudo é um Ser maior que tudo tanto em hipótese quanto na realidade (pois é maior que tudo, o que inclui ser maior que tudo no mundo real e maior que tudo em qualquer mundo hipotético possível);  
(3) logo, se é possível que exista esse Ser, Ele já existe no interior de qualquer mundo hipotético possível. E se, necessariamente, esse Ser deve existir dentro e fora de qualquer mundo hipotético possível (porque Ele é maior que tudo), então esse Ser existe em qualquer mundo hipotético e também no mundo real; 
(4) portanto, existe um Ser real maior que tudo (que chamamos de Deus).
O leitor conseguiu entender o argumento? Deixe-me tentar explicar de um modo mais simples. Suponha que eu more em um condomínio que tenha, sem dúvida alguma, as maiores casas de todo o mundo. Não há casas maiores que as casas que existem nesse condomínio. Então, eu pergunto ao síndico: “É possível que a minha casa seja a maior casa que existe no mundo?”. Ele responde: “Sim, é possível”. Então, eu lanço uma nova pergunta: “E ela é?”. O síndico responde: “Ela é a maior daqui desse condomínio, mas não é a maior do mundo”.

Perceba que há uma contradição entre as duas respostas. O síndico afirma que é possível minha casa ser a maior do mundo porque aquele condomínio tem as maiores casas do mundo. Mas também afirma que a minha casa é apenas a maior do condomínio e não a maior do mundo. Ora, se a minha casa é a maior do condomínio e as casas desse condomínio são maiores que todas as outras casas do mundo, então ela tem que ser a maior do mundo. É uma questão de lógica.

Façamos outra analogia. Imagine que a madrasta da Branca de Neve seja de um reino onde todas as mulheres bonitas que existem são mais bonitas que as mulheres dos outros reinos. E a madrasta, por sua vez, é uma mulher bonita. Isso a coloca, automaticamente entre as mulheres mais bonitas do mundo. Então, ela pergunta ao seu espelho mágico: “É possível que eu seja a mulher mais bonita do mundo?”. O espelho responde prontamente: “Sim, é possível”. Ela lança outra pergunta: “E eu sou?”. Aí, o espelho diz assim: “Você é a mulher mais bonita desse reino, mas não a mais bonita do mundo”.

Novamente temos a mesma contradição lógica. Se a madrasta é a mulher mais bonita de seu reino, ela tem que ser a mais bonita do mundo, pois em seu reino, todas as mulheres bonitas, são mais bonitas que as mulheres de outros reinos. Não tem como nós afirmarmos que a madrasta é a mais bonita de seu reino, sem ter que, com isso, concluir que ela é a mais bonita do mundo.

Trazendo isso para a questão do Ser que é maior que tudo, não tem como afirmar que esse Ser existe apenas em um mundo hipotético possível (isto é, no interior de uma hipótese válida), sem concluir também que Ele existe no mundo real. Porque se Ele é maior que tudo, basta que Ele exista em um mundo hipotético para que Ele exista no mundo real. Quando dizemos que é possível que Ele exista, estamos fazendo-o existente dentro de uma hipótese; dentro de um mundo hipotético possível. Em outras palavras, toda a questão gira em torno de um único ponto: é possível logicamente existir um Ser maior que tudo? Se é possível, então Ele existe na realidade, tal como na hipótese.

Refutando Críticas

Se o leitor entendeu o argumento ontológico, podemos partir para as críticas. À primeira vista o argumento parece ser fraco. A grande crítica é: “Com esse pensamento posso provar a existência de qualquer coisa, bastando atribuir ao objeto que eu desejo provar a existência, a característica de ‘maior que tudo’”. Assim, se eu quero provar que existe um lobisomem, ou uma fada, ou um saci, ou um gnomo, basta que eu diga que um desses seres é “maior que tudo”.

Entretanto, há uma falha grave nessa crítica. Ela não leva em conta o significado de “maior que tudo”. Maior que tudo não é maior no sentido de ser mais alto, ou mais gordo, ou mais belo, ou mais legal, ou mais divertido. Maior que tudo é estar além do próprio universo. Maior que tudo é transcender tempo, espaço, matéria e energia. Maior que tudo é não ser criatura, mas criador; não ser efeito, mas causa; não ser dispensável, mas necessário; é ser a própria bondade, a própria moral, o próprio amor. Isso, de fato, é ser maior que tudo o que existe.

Este é o ponto. Uma fada, ou lobisomem, ou gnomo ou qualquer outro ser que se queira sustentar a existência, usando esse argumento, não apresenta essas características de “maior que tudo”.

Para ser mais claro, suponha que alguém queira te provar que existem fadas. O que te levará a duvidar, obviamente será a falta de evidências para a existência de tais seres. Porém, a sua descrença não será contraditória, já que fadas não apresentam como atributo serem maiores que tudo. Fadas são apenas seres imaginários que não tem nem nunca tiveram os atributos que compõem um Ser maior que tudo. Portanto, elas podem existir apenas em hipótese, sem que tenhamos que concluir que elas são reais.

Claro, o ateu pode dizer que a fada em que ele “acredita” apresenta esse atributo divino de maior que tudo, sendo assim, necessariamente, existente. No entanto, isso não só está errado, como é um atestado de idiotice (ou desonestidade). Em primeiro lugar, fadas são seres mitológicos criados pelo homem e que não transcendem tempo, espaço e matéria, como já disse. Dizer que a “sua fada” é diferente, só mostra o quanto você é um imbecil que quer mudar todas as características básicas de uma fada, pensando que pode derrubar o argumento.

Em segundo lugar, se você retira de um ser ou objeto os seus atributos básicos, substituindo-os pelos atributos básicos de Deus (o Ser maior que tudo), então o ser ou objeto sustentado deixa de ser o que era antes e passa a ser o próprio Deus. Isso é muito lógico, mas alguns ateus parecem que não tem raciocínio lógico. É o caso do ateu Lewis Wolpert (PhD em biologia), que em um debate com Craig (PhD em filosofia e teologia e maior apologista cristão atualmente), argumenta que a causa do universo não precisa ser Deus [1]. Transcrevo um trecho do debate:

Wolpert: Mas a causa não precisa ser Deus.

Craig: Lembre-se que lhe dei um argumento para sustentar que esta causa é atemporal, aespacial, imaterial, muito poderosa e pessoal.

Wolpert: Eu acho que é um computador [diz, em tom de sarcasmo e ironia].

Craig: Computadores são projetados por pessoas.

Wolpert: Não, não. Este computador se auto-projetou.

Moderador: É atemporal?

Wolpert: É atemporal.

Craig: Isto é uma contradição de termos.

Wolpert: Por que uma contradição?

Craig: Um computador para funcionar precisa de tempo.

Wolpert: Este é um computador especial! [a platéia ri]

Craig: Certo, mas precisa ser logicamente coerente.

Wolpert: Oh, é logicamente coerente. Este computador é fantástico!

Craig: Além disso, é preciso ser um Ser pessoal.

Wolpert: Não.

Craig: Um computador é um objeto físico.

Wolpert: Este computador não [mais risos da platéia].

Craig: Veja o que você está fazendo: O que você chama de computador é na verdade Deus. Algo não-físico, não-temporal... [a platéia interrompe Craig com um aplauso, enquanto Wolpert faz cara de idiota].

Percebe o que Wolpert faz aqui? Ele diz que a causa do universo poderia ser um computador. Só que o imbecil, retira todas as características que tem um computador, substituindo-as pelas características de Deus. O que mudou? Apenas o nome. Deus passou a se chamar computador, mas continua sendo onipotente, criador do mundo, necessário e único.

Aliás, é importante deixar claro o motivo pelo qual só há possibilidade de existir um Deus, e não vários. Com base em todos os argumentos que temos visto até aqui (e, principalmente o argumento ontológico), sabemos que Deus é um Ser “maior que tudo o que existe”. Ou seja, Ele é onipotente. A onipotência é um atributo que o Ser criador do universo tem que ter já que ele está acima de tempo, espaço, matéria e energia. O que nos limita não limita a ele, pois ele está fora e acima de tudo o que criou. O próprio fato de criar indica que ele tudo pode. Como Deus tem que ser onipotente, não pode haver mais de um Deus, já que dois onipotentes não poderiam contra si mesmos; e logo não haveria onipotência (apenas “grande potência”).

Considerações Finais

Voltando ao argumento ontológico, já que as críticas que acabamos de analisar não derrubam o argumento, informo qual seria o único modo de refutá-lo.

A base do argumento, como já dito, é a possibilidade da existência de um ser que seja maior que tudo. Então, se o ateu quer invalidar o argumento ontológico, ele deve provar que a existência desse Ser é logicamente impossível. Mas o que é, exatamente, uma impossibilidade lógica? Bem, uma impossibilidade lógica é qualquer suposto fato que contradiz a si mesmo. Por exemplo, um triângulo redondo, um solteiro casado, um vigarista honesto. Repare que nada disso é possível logicamente falando, porque um atributo anula o outro. Então, será que a existência de um Ser maior que tudo é uma impossibilidade lógica? Com certeza não (impossibilidade lógica seria o universo criar a si mesmo, como já vimos em outra postagem – e tem quem creia nisso).

Ora, além de não haver nenhuma impossibilidade lógica para a existência de Deus, os argumentos que vimos até aqui indicam não só que é possível que esse Ser exista, como que esse Ser foi e é necessário à existência do universo como é hoje, e da vida que nele existe. Portanto, não vejo nada que derrube o argumento ontológico. E, a não ser que se prove que é impossível Deus existir, Deus existe.

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Referências:

1. Trecho de debate entre William Lane Craig e Lewis Wolpert. Não o encontrei no site oficial do Dr. Craig, o Reasonable Faith (Fé Racional). Mas o trecho que citei pode ser encontrado no seguinte link: http://www.youtube.com/watch?v=0R5GpV5nSRQ

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