domingo, 11 de novembro de 2012

Analisando o vídeo “Já estamos no sétimo dia” – Parte 2

Na última postagem, comecei a analisar um vídeo que um irmão meu em Cristo postou em um grupo cristão de debates ao qual pertenço. O vídeo, de título “Já estamos no sétimo dia”, trata-se de uma palestra onde o palestrante argumenta que o sábado foi apenas um símbolo do real descanso, o descanso espiritual.


Bem, eu analisei algumas passagens utilizadas por ele durante a palestra e tentei, de maneira bem explicativa, mostrar como o palestrante cometeu uma série enorme de erros em sua argumentação, inclusive fazendo interpretações ilógicas e tentando provar suas idéias através de analogias que ele próprio fez.



Como foram muitos os erros cometidos (e até agora estou chocado do quanto de besteiras se pode falar em pouco mais de 30 minutos), achei por bem não concluir meu texto na postagem anterior. Ficaria muito cansativo de se ler. Então, agora volto para analisar as últimas três passagens bíblicas (usadas pelo palestrante) que faltavam para terminar minhas refutações. Ao final, farei alguns comentários.



8) Mateus 11:28-30:
Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomais sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.
O comentário que o palestrante faz antes de ler esse texto é muito engraçado. Ele diz, com todas as letras: “Quer ver como que Jesus Cristo é o sábado?”. Veja como é bizarra a estratégia dele. Ele puxa um texto na Bíblia em que Jesus afirma ser o nosso descanso espiritual (o que é a mais pura verdade) e tenta incutir na cabeça do espectador que se você descansa espiritualmente, não precisa descansar literalmente. Ou seja, se Jesus é o nosso descanso, não precisamos de um dia de descanso. Novamente temos a mesma falsa dicotomia de antes: ou um descanso ou outro.



Eu só gostaria que o palestrante me provasse que os dois tipos de descanso estão em conflito um com outro. Será que não dá para descansar espiritualmente todos os dias se tivermos um dia de descanso literal no sábado? Parece ser essa a opinião dele, pois em dado momento ele diz que quem está no descanso espiritual, descansa mesmo em meio às circunstâncias ruins. Já quem está no que ele chama de “religião” (que na visão dele inclui os sabatistas, claro), não descansa quando as coisas vão mal. Quando vêm as situações ruins, ele cai. E aí “tome jejum, sacrifício, subida no monte”.



Aqui ele já partiu para maldade. De maneira implícita, mas sem deixar nenhuma dúvida, ele acusa os sabatistas de não conseguirem descansar espiritualmente. Eu chamo de maldade porque não dá para provar com argumentos bíblicos que isso é uma mentira deslavada. Eu só posso provar com minha experiência pessoal. Mas aí, cabe ao leitor acreditar ou não. 



Para começar, eu poderia citar o líder do grupo de evangelismo e estudo bíblico da minha igreja. É um homem tão voltado para as coisas do Senhor que não passa um dia sem mandar mensagens cristãs revigorantes para os irmãos da igreja. Também tem uma amiga minha que canta (e muito bem, aliás). Ela é uma grande guerreira porque, mesmo em meio a tantas dificuldades, eu nunca a vi reclamar de nada. Ela conta os problemas dela sorrindo. Há também a minha namorada (aliás, eu te amo, querida). Um dia desses, ela me disse que não pode deixar de orar e ler a Bíblia todos os dias. É o alimento dela. Se ela não faz isso, ela se sente mais fraca. Contudo, “quando oro”, ela disse, “sinto que Jesus me dá força para prosseguir e me dá paz”.



Eu poderia citar pelo menos mais umas centenas de pessoas espetaculares que eu conheço que, de fato, descansam espiritualmente todos os dias e que guardam o sábado literal. É claro que há legalistas na minha igreja, assim como há em qualquer lugar. Mas, não existe aqui uma oposição entre os dois descansos. Isso é (para usar uma palavra que o palestrante usou) uma lorota. Uma lorota de anti-sabatista.



9) Hebreus 4:3-12:
Pois nós, os que cremos, é que entramos naquele descanso, conforme Deus disse: ‘Assim jurei na minha ira: Jamais entrarão no meu descanso’; embora as suas obras estivessem concluídas desde a criação do mundo. Pois em certo lugar ele falou sobre o sétimo dia, nestas palavras: ‘No sétimo dia Deus descansou de toda obra que realizara’. E de novo, na passagem citada há pouco, diz: ‘Jamais entrarão no meu descanso'.
Portanto, resta entrarem alguns naquele descanso, e aqueles a quem anteriormente as boas novas foram pregadas não entraram, por causa da desobediência. Por isso Deus estabelece outra vez um determinado dia, chamando-o ‘hoje’, ao declarar muito tempo depois, por meio de Davi, de acordo com o que fora dito antes: ‘Se hoje vocês ouvirem a sua voz, não endureçam o coração’. Porque, se Josué lhes tivesse dado descanso, Deus não teria falado posteriormente a respeito de outro dia. 
Assim, ainda resta um descanso para o povo de Deus; pois todo aquele que entra no descanso de Deus, também descansa das suas obras, como Deus descansou das suas. Portanto, esforcemo-nos por entrar nesse descanso, para que ninguém venha a cair, seguindo aquele exemplo de desobediência (Hebreus 4:3-12).
Ao lerem esta passagem, os anti-sabatistas costumam a interpretá-la da seguinte maneira:
(1) Deus estabeleceu um dia de descanso (o sábado) no Antigo Testamento;
(2) mas esse dia de descanso era apenas um símbolo do verdadeiro descanso, o descanso espiritual diário em Cristo;
(3) assim, as pessoas do Antigo Testamento jamais experimentaram o descanso verdadeiro, apenas o seu símbolo;
(4) por isso, Deus instituiu outro dia, chamado “hoje”, no lugar do sábado, para que todos pudessem experimentar o descanso verdadeiro, que é diário e não somente no sétimo dia da semana;
(5) porque, se Josué tivesse dado mesmo o descanso espiritual para o povo, Deus não teria falado de outro dia de descanso posteriormente.
Essa é a interpretação que o palestrante faz também, dizendo ainda que na vida do cristão todo dia é sábado. Ok. Agora, vamos aos erros. Em primeiro lugar, a interpretação se baseia na pressuposição de que a guarda do sétimo dia da semana faz parte das leis cerimoniais do Antigo Testamento. Como já argumentei antes, não há motivo para se pensar assim. O sábado é anterior à aliança que o Senhor fez com o povo hebreu e até mesmo anterior ao pecado. Além disso, foi posto entre os dez mandamentos, que são de cunho moral e é um dia necessário no nosso relacionamento com Deus ainda nos dias de hoje. Não faz sentido apontá-lo como ritual judaico.



Ora, se o sábado não é um ritual, mas um mandamento moral, a interpretação já cai aqui porque sua guarda deixa de ser um símbolo de um bem maior e passa a ser um bem em si mesmo. Não, portanto, motivo para ser abolido.



Em segundo lugar, a interpretação se baseia outra vez naquela falsa dicotomia, onde ou você tem um descanso espiritual diário em Deus ou você só descansa no sétimo dia da semana. É, simplesmente, ridículo pensar que eu não posso e não devo fazer as duas coisas. Aliás, pensar assim é chamar Deus de burro, pois é isso o que Ele, de fato, seria se tivesse criado um mandamento que nos impede de ter um relacionamento diário com Ele. Um mandamento assim apenas nos afastaria da presença do Senhor. Por que Deus criaria um mandamento que nos impedisse estar perto Dele?



Em terceiro lugar, a interpretação faz uma confusão inacreditável de contextos históricos. Perceba: ela quer nos fazer acreditar que o dia chamado “hoje” substituiu o dia de sábado. Só que quando o Espírito Santo falou, no Salmo 95 (o salmo citado pelo autor de Hebreus), por meio de Davi: “Se hoje vocês ouvirem a sua voz, não endureçam o coração”, isso ocorreu centenas e centenas de anos antes de Jesus vir a Terra e fundar a Nova Aliança. Depois do rei Davi dizer isso, ainda vemos, séculos depois, os profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel conclamarem o povo a guardar o sábado, bem como Esdras e Neemias cuidando para que o mandamento não fosse mais quebrado, o que, os profetas mesmo apontavam como uma das causas das desolações que o povo sofria.

Então, está claro, óbvio e evidente que o assunto “dia de hoje”, nada tem a ver com uma suposta abolição do sábado. O dia de hoje é uma lembrança de Deus de que o indivíduo que quiser se achegar a Deus pode fazer isso em qualquer dia. Não é preciso esperar a chegada de um dia especial. Isso porque o descanso no sétimo dia não se opõe ao descanso diário em Deus. Pelo contrário, a guarda sábado de nada serve para aqueles que não alcançam esse descanso espiritual diário. Para quem não descansa em Deus, o sábado é apenas um feriado qualquer. 



Em quarto lugar, de fato, o povo hebreu, como povo, não alcançou o descanso espiritual que Deus almejava que alcançassem. Mas isso nada tem a ver com a questão do sábado. A culpa de não terem alcançado descanso espiritual foi a dureza do coração, a teimosia em não querer estar perto de Deus. E não a existência do sábado.



O descanso espiritual, ao contrário do que o palestrante do nosso vídeo quer que nós acreditemos, não passou a existir só quando Jesus ressuscitou. O descanso espiritual existe desde que Deus criou o homem. Ora, o Senhor criou o ser humano para descasar espiritualmente Nele. E, mesmo após o pecado, é possível descansar em Deus. Basta termos um bom relacionamento com Ele.



Quanto ao descanso literal, ele não se opõe ao descanso espiritual. Ambos são complementares; sem o descanso espiritual, o descanso literal não serve para nada, sem o descanso literal, o descanso espiritual fica enfraquecido.



O que o autor da epístola tenta mostrar é que, embora a geração de Josué tenha entrado no descanso literal de Canaã (ao contrário da geração anterior, que morreu no deserto), Josué não pode dar ao povo o descanso em Deus. Isso porque as gerações que foram se sucedendo se desviavam constantemente do Senhor. É aqui que entendemos melhor a questão do dia de “hoje”. Hoje é o dia do arrependimento, é o dia de se voltar para o Senhor, a fim de conseguir esse descanso espiritual. Isso, em nada, afeta a guarda do sábado. Pelo contrário, pois, se arrependimento implica em obediência e obediência é pré-requisito para o descanso espiritual, então obedecer ao mandamento do sábado não deixa de ser um pré-requisito para um descanso espiritual mais pleno.



Talvez o leitor questione aqui: “Mas por que o autor da epístola fala sobre o dia do sábado (o sétimo dia) e depois fala que o ‘hoje’ é outro dia que Deus determina para o homem, como se tivesse substituindo o sábado?”.



Ora, isso é fácil de responder. O autor da epístola aos hebreus estava querendo simplesmente mostrar o caráter sabático que o dia de “hoje” pode ter se escolhermos estar mais perto de Deus. O autor quer deixar claro que o povo tinha o sétimo dia para guardar, mas estava espiritualmente longe de Deus em seu dia-a-dia. Contudo, sempre é possível voltar hoje mesmo para o Senhor e entrar em seu descanso espiritual diário. Ou seja, “hoje” não anula o sábado. “Hoje” é só um dia determinado para arrependimento e volta para Deus. E esse dia não precisa ser o sábado. Por isso, Deus determina de novo um dia. É um dia para arrependimento e volta para Deus. Não anula o sábado.



Isso nos leva ao quinto erro da interpretação de nosso palestrante. Ela pretende extrair dessa passagem um assunto que não está sendo abordado pelo autor: a validade da guarda do sétimo dia. O assunto simplesmente não é esse. Tirar desse texto tanto um argumento contra o sábado quanto um a favor (como alguns sabatistas tentam fazer) é fugir totalmente do assunto que o autor se propõe a escrever.



O assunto, na verdade, pode ser resumido assim: 
(1) Deus deseja que o ser humano descanse;
(2) o povo hebreu do deserto perdeu o descanso (Canaã) por desobediência;
(3) as gerações posteriores, embora tenham entrado em Canaã (descanso literal), também perderam o descanso, pois não descansaram em Deus (descanso espiritual);
(4) mas, a mensagem que a eles foi pregada e não foi aproveitada por falta de fé, pode ser ouvida e aproveitada pelos hebreus da época do autor (lembre-se que o autor está escrevendo para os hebreus de sua época);
(5) assim, ainda resta um descanso espiritual para os hebreus (o foco do autor), porque Deus nunca deixou de desejar o descanso do homem e, se as gerações anteriores não entraram nesse descanso (por desobediência), as gerações de hebreus para as quais o autor escreve podem, contanto que não caiam no mesmo erro.
10) Romanos 6:12-14:
Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus; como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei e sim da graça.
Este texto é um texto extra. O palestrante não o mencionou, mas toda a palestra se baseou nele. Por isso, é imprescindível destrinchá-lo aqui. Bem, nesse texto há uma expressão que Paulo usa que se tornou o principal pilar para muitos cristãos afirmarem que estamos desobrigados a seguir as leis do Antigo Testamento. Trata-se da expressão “debaixo da lei”. Ela é utilizada oito vezes pelo apóstolo, nas epístolas de Romanos, I Coríntios e Gálatas. 



Segundo a maioria dos cristãos (e o palestrante também), “debaixo da lei” significaria seguir a lei. Ora, se isso é fato, então não estar “debaixo da lei” quer dizer que a lei não vale mais nada. Então, o ponto principal é descobrir o que Paulo queria dizer com a expressão “debaixo da lei”. Qual a mensagem o apóstolo queria passar?



Bem, de acordo com o contexto, não é muito difícil descobrir. Paulo usa o termo “debaixo da lei” para se referir a situação de todas aquelas pessoas que viveram antes da vinda de Cristo. Antes de Jesus Cristo vir a terra e se sacrificar por nós, a promessa de salvação era apenas mera promessa. Ela ainda não havia sido cumprida. Ou seja, todos os que morreram antes de Jesus Cristo, tendo fé em Deus, só seriam definitivamente salvos após seu sacrifício na cruz (sacrifício esse que vale para todos os que depositam sua fé no Deus verdadeiro antes de sua vinda).



É pensando nessa situação que Paulo traça uma diferença entre os dias de hoje e os dias anteriores ao sacrifício de Jesus. Enquanto para nós a promessa de salvação em Jesus Cristo já está concretizada, pois Cristo já se sacrificou, para os que viveram antes, a promessa não estava concretizada porque Cristo ainda não tinha vindo.



Então, para quem viveu antes de Jesus Cristo, a condenação da lei ainda estava vigente. Como já disse em outras partes dessa análise, a lei não tem a função de salvar, mas apenas de mostrar o que é certo e o que é errado. Por esse motivo, a lei, sozinha, é condenatória. Ela mostra o seu pecado, mostra que o salário do pecado é a morte, mas não resolve o seu problema. Como antes de Jesus Cristo havia lei, mas não havia o seu sacrifício, estavam todos condenados. É o seu sacrifício que resgata da condenação da lei todos os que tiveram fé. O autor de Hebreus deixa isso claro como água, ao dizer:
Todos estes viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-no de longe e de longe o saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Os que assim falam mostram que estão buscando uma pátria. Se estivessem pensando naquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Em vez disso, esperavam eles uma pátria melhor, isto é, a pátria celestial. Por essa razão Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, e lhes preparou uma cidade. [...] 
Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Deus havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados” (Hebreus 11:13-16 e 39-40).
Então, quando Paulo diz que não vivemos mais debaixo da lei e sim da graça, ele quer dizer que não vivemos mais naquela situação onde a lei condenava a todos. Hoje, a lei não mais pode condenar quem está em Cristo Jesus, pois cada vez que a lei mostra o nosso pecado e mostra que o salário do pecado é a morte, nós recorremos a Jesus Cristo e, arrependidos, rogamos seu perdão. E imediatamente somos salvos da condenação que a lei impõe ao pecador. Não é necessário esperar.



É precisamente esta a mensagem que Paulo se esforça para passar no trecho de Romanos que estamos analisando. Vamos lê-lo de novo:
Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiças. Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça.
Observe o raciocínio de Paulo. Se o sacrifício de Jesus nos livra da condenação da lei é porque nos limpa do pecado. Então, para quem está realmente em Jesus Cristo, o pecado não tem domínio, pois cada vez que pecamos, nos arrependemos, confessamos o pecado a Jesus e somos limpos imediatamente. Isso é chamado de graça por Paulo, já que não merecemos esse perdão. Em contraponto, viver “debaixo da lei” nesse contexto pós-sacrifício de Jesus Cristo, seria se prender a condenação da lei, deixando de ter seus pecados limpos por Jesus. Por isso, Paulo argumenta: “o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça”.



Fica claro, portanto, que Paulo não está falando sobre abolição da lei, mas sobre a abolição da condenação da lei para aqueles que estão em Jesus; condenação esta que existia no contexto pré-sacrifício de Cristo. Mas, para evitar qualquer mal-entendido a respeito disso, logo em seguida Paulo enfatiza que não estar debaixo da lei não quer dizer estar livre para pecar: “E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei e sim da graça? De modo nenhum!” (Romanos 6:15).



Esta é uma chave importante para entender o pensamento de Paulo. Afinal, ele sabia que transgredir a lei era um pecado. É exatamente o que diz João em sua primeira epístola: “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei” (I João 3:4).



Se o pecado é a transgressão da lei, como diz o discípulo João, inspirado pelo mesmo Espírito Santo que Paulo, concluímos que: (1) a lei ainda está vigente e (2) ela não deve ser transgredida, isto é, devemos segui-la. Dessa forma, Paulo estava dizendo exatamente isso: “E daí? Havemos de transgredir a lei porque não estamos debaixo da lei e sim da graça? De modo nenhum!”.



Interessante, não é? Agora, vamos relembrar o que vimos nas outras análises que fizemos: Paulo afirma que a lei não é pecado (Romanos 7:7); que ela é santa; que seus mandamentos, tal como o de “não cobiçar”, são santos, justos e bons (Romanos 7:12); que ela é espiritual e que o ser humano é que é carnal (Romanos 7:14); que ela é boa (Romanos 7:16); e que, embora ele não consiga seguir a lei com sua própria força (pois é pecador), ele tem prazer na lei de Deus (Romanos 7:22).



Lembremos também que o apóstolo Paulo pergunta sobre quem poderia livrá-lo do problema de não conseguir cumprir a lei com as próprias forças, como se não tivesse quem pudesse livrá-lo (Romanos 7:24). Mas termina reconhecendo (e ratificando) que Jesus fez o que era impossível à lei de Deus fazer: livrar o homem da lei do pecado e da morte (Romanos 7:25 e 8:1-4).



O apóstolo Paulo chama de “lei do pecado” a sua inclinação natural ao pecado, que o impossibilita de seguir a lei de Deus com suas próprias forças. E chama de “lei da morte” à conseqüência natural de ser pecador. Estas duas leis não podem ser vencidas pela lei de Deus, pois a lei de Deus só tem a função de mostrar o certo e o errado; mas Jesus resolve o problema. Ele faz o que a lei não pode fazer.



Tendo resolvido o problema por meio de Jesus, Deus condena o pecado natural para que o preceito da lei se cumpra dentro de nós. Ou seja, se antes era impossível para nós seguir a lei de Deus com a própria força, agora temos força porque o Espírito Santo habita dentro de nós e já nenhuma condenação imposta pela lei pode ser aplicada a nós, pois estamos em Cristo Jesus. É por isso que Paulo diz que não estamos mais debaixo da lei e sim da graça.



Estar debaixo da lei em um contexto pós-sacrifício de Jesus Cristo seria rebaixar a importância de seu sacrifício, crendo que sua graça não é suficiente para nos livrar da condenação que a transgressão da lei (o pecado) nos impõe. Esse era o problema dos judeus e dos judaizantes. Os judeus não criam em Jesus. Por isso, muitos deles achavam que o que salvava um homem era a observância da lei. Já os judaizantes criam em Jesus, mas achavam que precisavam continuar observando preceitos ritualísticos da lei para receberem perdão pela transgressão de mandamentos morais.



Também podemos falar de semijudaizantes aqui: cristãos que até aceitavam que os preceitos cerimoniais da lei não valiam mais, contudo, acreditavam que se salvavam através de mérito próprio (porque eram “bons”). Este tipo de cristão existe até hoje em todas as denominações (e “não-denominações”) cristãs.



Ora, todos esses (sem exceção) caíam em um mesmo erro: elevavam a lei a um patamar que pertencia a Jesus Cristo. E, conseqüentemente, elevavam a si mesmos, pois a salvação deixava de ser pela graça de Deus, mediante a fé, e passava a ser pelas obras de cada um. Algo muito contrário ao ensino bíblico, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento (em ambos as pessoas são salvas pela fé).



O alerta de Paulo, portanto, era contra esse tipo de pensamento. Ao dizer que os cristãos não estavam debaixo da lei e que, por isso, não deveriam viver como tais, ele estava desejando que todos entendessem que Jesus era o pilar da salvação e que ele nos possibilita viver em conformidade com a lei de Deus, através do seu Espírito e de sua graça maravilhosa, que nos perdoa sempre que nos arrependemos e confessamos nosso pecado a ele.



Agora, por que Paulo utiliza a expressão “debaixo da lei”. É uma questão de figura de linguagem, creio eu. No original grego a expressão é “inomos”, que quer dizer “na lei” ou “dentro da lei”. É uma figura de linguagem exatamente igual à presente na expressão “em Cristo”. Mas assim como a expressão “em Cristo” não quer dizer estar dentro de Cristo, literalmente, a expressão “na lei” não quer dizer estar dentro da lei. Se assim fosse, não estar “dentro da lei” seria estar “fora da lei”. E isso está diretamente em oposição a concepção bíblica de que o pecado é “a transgressão da lei”.



A figura é uma metonímia, isto é, uma figura que troca um termo por outro em função da existência de uma relação entre os mesmos. Por exemplo, quando digo que li Machado de Assis, na verdade quero dizer que li um livro de Machado de Assis. E, ao dizer que bebi três copos, na verdade, quero dizer que bebi uma quantidade de líquido presente em três copos.



Assim, o termo literal para “na lei” seria algo como: “na condenação da lei” ou “debaixo da condenação da lei”. Este último até justifica o motivo pelo qual a tradução para o português nos diz “debaixo da lei”. É uma expressão próxima da idéia original que Paulo tinha em mente. Podemos dizer também que a própria palavra “lei” é uma metonímia para designar o período em que a condenação da lei imperava. Portanto, toda vez em que Paulo aparenta falar mal da lei, mas, pelo contexto, vemos que “lei” é o oposto de período da graça, então é certo que “lei” representa o período anterior a Jesus.



Em suma, em nenhum momento o apóstolo Paulo anula a lei de Deus ao dizer que não estamos mais “debaixo dela”. Ele simplesmente indica que ela não pode condenar quem está em Jesus Cristo. Isso não quer dizer que foi abolida.



Considerações Finais



O querido irmão que enviou o vídeo “Já estamos no sétimo dia” para o grupo de debates do qual eu participo, o fez na melhor das intenções. Ele pretendia mostrar a nós que estamos carregando um pesado fardo do qual o Novo Testamento nos exime. Porém, como pudemos ver, o palestrante do vídeo não conseguiu mostrar que guardar o sábado é um fardo, de que o descanso literal não é importante, de que o descanso espiritual está em oposição ao descanso literal e etc.



O que vimos em nossas análises foi que, falta a muitos cristãos uma visão mais ampla de como a Bíblia deve ser interpretada. Quando eu falo de averiguar o contexto, por exemplo, não estou falando de fazer uma seleção de alguns versículos parecidos em lugares diferentes. Estou falando para averiguar quais seriam as implicações de alguma afirmação à luz de toda a Bíblia. 



Gostaria de terminar, portanto, fazendo um apelo ao leitor: tente analisar aquilo em que você crê e aquilo que se opõe às suas crenças averiguando sempre quais são as implicações gerais da sua crença e da crença oposta. Essas implicações devem sempre estar em harmonia. Se houver harmonia, não há motivo para dúvidas, crença correta. Se não há harmonia, crença errada. Busque a correta.

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