domingo, 13 de janeiro de 2013

Destrinchando Zeitgeist – Parte 4: Truques Psicológicos

No final da última postagem da série, eu falei que iria fazer um texto abordando os truques psicológicos utilizados pelo documentário por Zeitgeist para engambelar o espectador. Um truque psicológico é uma forma de enganar um indivíduo através do efeito psicológico que determinada alegação causa, não importando se ela é verdadeira ou se ela é falsa. Em outras palavras, é fazer alguém crer meramente pela emoção.

O documentário Zeitgeist é craque em fazer isso. Cada frase, cada palavra, cada imagem foi calculadamente escolhida para gerar um efeito psicológico que pudesse ser mais eficaz que o argumento (lógico, afinal o documentário não tem qualidade alguma em seus argumentos).

Nesta postagem, vamos dar uma olhadinha em alguns desses truques e mostrar ao leitor que o sucesso do documentário se deve aos ótimos truques psicológicos que seus produtores utilizaram.

Nas paredes de Luxor

Quem assistiu o documentário, deve se lembrar que em determinado momento se faz menção a uma imagem egípcia antiga que se encontra nas paredes do templo de Luxor. Neste trecho, o narrador afirma que essas imagens retratam a imaculada concepção de Hórus e a sua adoração. Então, a tela foca nos detalhes de cada quadro da imagem e o narrador continua afirmando: “As imagens começam com o anuncio à virgem Isis de que ela iria gerar Hórus, que Nef, o Espírito Santo, irá engravidar a virgem e depois o parto e a adoração”. Clique em cada quadro para ver melhor.





São desenhos, não é mesmo? Agora, eu pergunto: o leitor está conseguindo ver a virgindade da deusa Isis no desenho? Está conseguindo ver o Espírito Santo? Dá para saber se o homem que conversa com ela está anunciando o nascimento de Hórus? Claro que não o leitor não pode ver. São desenhos. E nem adianta vir com o argumento de que existem escritos que afirmam isso. É mentira. Já analisamos isso na primeira postagem.

Mas mostrar o desenho gera um efeito psicológico conveniente no espectador, pois dá a impressão de que uma ampla pesquisa foi feita, os produtores chegaram a ir lá no Egito e tiveram acesso à fontes primárias. O desenho é como serve como se fosse a prova concreta. “Está aqui. Você pode ver as imagens da virgem”. E um bando de bocó acredita. “É mesmo. Olha a imagem da virgem ali”.

As Eras de Touro, Áries e Peixes

Em outro trecho, ao argumentar que a Bíblia é um livro astrológico, Zeitgeist afirma que Jesus teria fundado a Era de Peixes. A prova seria o símbolo do cristianismo, que desde o início sempre foi um peixe. O documentário só “esquece” de dizer que o peixe foi escolhido porque no grego, ICHTHUS (peixe), serve para formar o acrônimo Insous, Christos, Theos, Uios e Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador).

O documentário afirma também que as eras do zodíaco duram 2150 anos e que Moisés teria sido o fundador da era de Áries que durou até Jesus nascer. A prova de que Moisés representava a era de Áries, segundo o documentário, é o fato de que ele ficou irritado quando o povo fez um bezerro de ouro para adorar (estavam retornando a era antiga).

Não obstante, a Bíblia deixa claro que Moisés se irritou porque tal atitude era um pecado terrível contra Deus. E, além disso, de Moisés até Jesus se passaram cerca de 1500 anos e não 2150 anos. É uma diferença um tanto grande, não? Mas quem se importa com isso? O efeito psicológico causado por essas alegações é suficiente para fazer o espectador crer. Porque ele vai pensar: “É mesmo, o símbolo do cristianismo é o peixe. É mesmo, Moisés se irritou com a adoração ao bezerro. Jesus e Moisés devem ser fundadores das eras de Áries e Peixes mesmo”.

As afirmações de Justino Mártir

O documentário mostra duas citações de Justino Mártir, um apologista cristão que viveu no segundo século. As citações foram retiradas de seu livro I Apologia. Elas são as seguintes:
Quando nós [cristãos] dizemos que o Logos, primeiro rebento de Deus, isto é, Jesus Cristo, nosso mestre, foi produzido sem união sexual, morreu, ressuscitou e ascendeu aos céus, não apresentamos nada de novo se levarmos em conta o que vocês chamam de filhos de Zeus [Júpiter] (I Apologia 21:1).
Nós anunciamos que ele nasceu de uma virgem, mas isso para vocês pode ser semelhante a Perseu” (I Apologia 22:5).
Essas afirmações, tal como foram postas no documentário, geram um tremendo efeito psicológico no espectador. Elas realmente parecem confirmar tudo o que fora dito por Zeitgeist desde o início. E quem é que vai se dar ao trabalho de ir até I Apologia, ver o contexto das frases e estudar sobre Perseu e os filhos de Zeus, a fim de entender melhor as afirmações de Justino?

Bem, eu me dei a esse trabalho e, a começar pelo contexto, já fica claro que as semelhanças existentes entre alguns deuses romanos e Jesus Cristo são muito gerais. Por exemplo, em 21:2 ele afirma:
De fato, vocês sabem bem a quantidade de filhos que seus estimados escritores atribuem a Zeus: Hermes, o Verbo intérprete e mestre de todos; Asclépio, que foi médico e que, depois de ter sido fulminado, subiu ao céu; Dionísio, depois que foi esquartejado; Herácles, depois de se atirar ao fogo para fugir dos trabalhos (...).
Perceba que Justino descreve como foram as sofridas mortes de alguns filhos de Zeus. Note que não há nenhuma crucificação e nenhum sacrifício em benefício do ser humano. Então, mais à diante, em 22:3-4, Justino afirma: 

Se nos lançam em rosto que ele [Cristo] foi crucificado, também isso é comum com os antes citados filhos de Zeus, que vocês admitem terem sofrido. Com efeito, conta-se que eles não sofreram um mesmo gênero de morte (...).
Como podemos ver, a semelhança, no que tange à morte, está apenas no fato de todos terem sofrido e não no tipo de morte e suas causas. Quando Justino diz: “Isso é comum com os antes citados filhos de Zeus”, não está falando da morte por crucificação ou da morte em prol do ser humano, mas apenas do sofrimento. Convenhamos que se trata de uma semelhança muito geral. Não dá para alguém provar um plágio utilizando o fato de que tanto Jesus como outros deuses sofreram ao morrer. O sofrimento na morte é algo comum demais para que seja usado como comparação.

No capítulo 33, existe mais uma prova de que as semelhanças são gerais demais para provar plágio. Falando sobre a profecia de Isaías sobre a concepção imaculada de Jesus, Justino diz:
Escutem agora como foi literalmente profetizado por Isaías que Cristo seria concebido por uma virgem. Ele diz o seguinte: ‘Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe porão o nome Deus conosco [Emanuel]’ (Isaías 7:14).
O que os homens poderiam considerar incrível e impossível de ocorrer, Deus indicou antecipadamente por meio do Espírito profético, para que quando ocorresse, não negassem a fé, mas sim, justamente por ter sido predito, cressem.
Esclareçamos agora as palavras da profecia para que, por não entendê-la, façam a mesma crítica que nós fazemos quando seus poetas nos falam de Zeus: a crítica de que Zeus, para satisfazer sua paixão libidinosa, uniu-se com diversas mulheres. ‘Eis que uma virgem conceberá’, significa que a concepção seria sem relação carnal, pois, se esta houvesse, ela não mais seria virgem; mas foi a força de Deus que veio sobre a virgem e a cobriu com a sua sombra e fez com que ela concebesse permanecendo virgem (I Apologia 33:1-5).
O que eu acho mais interessante nesse texto é que Justino vê a necessidade de explicar que “concepção virginal” não era um relacionamento sexual entre um deus e uma mulher, tal como na mitologia ocorreu entre Zeus e diversas mulheres. Ou seja, Justino sabia que essa confusão existia. Era por isso que alguns romanos alegavam que Jesus era semelhante a alguns semideuses. Afinal, semideuses resultavam da união entre deuses e humanos, e a concepção de Jesus por Maria era visto por alguns, exatamente, como uma união entre Deus e Maria.


Aliás, é com base nesse raciocínio, que o documentário chama de virgens muitas mulheres que tiveram relações sexuais com deuses. Mas, desfeita essa confusão, vemos que não há semelhança alguma entre o nascimento de Jesus e o desses seres míticos.

Outro interessante trecho de I Apologia complementa nossa análise. Ele diz o seguinte:
(...) em nenhum lugar e em nenhum dos supostos filhos de Zeus, [os demônios] imitaram a crucifixão, por não tê-la entendido, pois, conforme dissemos antes, tudo o que se refere à cruz foi dito de forma simbólica (I Apologia 55:1).
A questão toda é simples de entender. Justino Mártir, com toda sua boa vontade, queria mostrar aos romanos que qualquer possível pequena semelhança entre os deuses romanos e Jesus, poderia ser explicada em função da ação de demônios. O argumento de Justino era que os demônios, ao longo dos tempos, quando ouviam profecias sobre a vinda de Cristo, tentavam criar mitos que contivessem as características das profecias, para enganar as pessoas. Como profecias são sempre complexas de se interpretar, isso explicaria o fato das semelhanças não serem tão grandes.

O raciocínio de Justino é chacoteado pelo documentário, mas se pensarmos bem, ele não é implausível. Se, de fato, existem demônios que odeiam tudo o que é de Deus e que tem poder de se transformar até em anjos de luz (conforme a Bíblia), por que eles não tentariam fazer exatamente o que Justino raciocinou? Se você, amigo leitor, fosse um demônio, não tentaria se aproveitar das profecias para criar mitos que depois iriam confundir a cabeça das pessoas?

No entanto, acredito que Justino acabou sendo muito ingênuo. As semelhanças alegadas são demasiadamente gerais para provar plágio. Era nessa tecla que ele deveria ter batido. O nascimento dos deuses e semideuses não foi virginal; sua morte não foi por crucificação (o texto que acabamos de ler deixa isso claro) e nem foi em benefício da humanidade. 

Com relação à ressurreição e ascensão aos céus, ainda outro texto de I Apologia nos é muito útil para essa discussão. Justino afirma:
Para quem reflete, o que pareceria mais incrível do que se, estando fora do nosso corpo, alguém dissesse que de uma pequena gota do sêmen humano seria possível nascer ossos, tendões e carnes com a forma em que os vemos, e víssemos isso em imagem? Façamos uma suposição. Se vocês não fossem como são agora, nem nascidos de tais pais [e causas] e alguém lhes mostrasse uma semente humana e a figura de um homem, e dissesse com confiança que, de uma substância como aquela, tal homem pudesse ser produzido, você acreditaria antes de ver o produto real? Ninguém ousará negar [que essa alegação está além da crença]. Do mesmo modo, então, agora vocês são incrédulos porque nunca viram um morto ressuscitar. 
Mas assim como num primeiro momento vocês não acreditariam que de uma pequena gota nasceriam tais seres e, no entanto, os vêem nascidos agora, assim também considerem que não é impossível que os corpos humanos, depois de dissolvidos e espalhados como sementes na terra, ressuscitem a seu tempo, por ordem de Deus e se revistam da incorruptibilidade (I Apologia 19:1-4).
Veja que Justino faz uma belíssima argumentação a respeito da ressurreição. Tal argumentação é feita por Justino porque ele sabia que os romanos não acreditavam na ressurreição corporal. Sendo assim, quando Justino diz que Jesus ter ressuscitado é algo em comum com os filhos de Zeus, ele está usando a palavra ressurreição com o sentido de “continuar vivendo depois da morte”. Nenhum filho de Zeus ressuscitou como Jesus, tornando ao seu antigo corpo e ao seu antigo mundo. Justino se utiliza desse sentido simplesmente porque citava as semelhanças gerais que os romanos alegavam.

Aqui temos um gancho para a questão da ascensão aos céus. É comum a quase todas as religiões que Deus ou os deuses vivam no céu e que os que morrem vão para o céu ou para o inferno. Os filhos de Zeus, por serem seus filhos, logicamente iriam para o céu após a morte. Ou melhor, suas almas iriam para lá. O corpo estava morto. Então, a ascensão também não passa de uma semelhança geral demais para ser considerada uma prova de plágio.

Um questionamento pode aparecer aqui: “E por que existem idéias básicas que são compartilhadas pela maioria das religiões?”. É simples. Isso é uma evidência de que todas elas descendem de uma só crença que existiu bem no início da humanidade. Seja lá qual é a religião correta atualmente, sabemos que todas as religiões são descendentes dessa crença original. As semelhanças básicas, portanto, seriam traços remanescentes de uma crença inicial que foi sendo adulterada e fragmentada, que foi criando vertentes e misturando essas vertentes. As diferenças cresceram, mas elementos básicos continuam e são a prova de que todas as religiões bebem em uma mesma fonte.

Bem, por fim, podemos dizer que a primeira afirmação de Justino mostrada por Zeitgeist está analisada. Vou repeti-la aqui, apenas para resumir a análise. 
Quando nós [cristãos] dizemos que o Logos, primeiro rebento de Deus, isto é, Jesus Cristo, nosso mestre, foi produzido sem união sexual, morreu, ressuscitou e ascendeu aos céus, não apresentamos nada de novo se levarmos em conta o que vocês chamam de filhos de Zeus [Júpiter] (I Apologia 21:1).
A parte em negrito foi o que analisamos. São quatro alegadas semelhanças entre Jesus e os filhos de Zeus. A primeira não existe, sendo apenas uma interpretação errada feita pelos romanos a respeito do que seria “concepção virginal”. As outras três são comparações sem importância, pois se baseiam em semelhanças demasiadamente gerais para que se alegue plágio.


Agora, vamos analisar a segunda afirmação de Justino. Essa é bem mais fácil, já que só precisamos dar uma olhadinha na história de Perseu. Segundo a mitologia, este personagem era filho de Zeus com a humana Danae. Sua concepção ocorreu da seguinte forma: o rei Acrísio, pai de Danae, fora informado por seu oráculo que um dia seu neto o mataria. Temendo a morte, Acrísio aprisionou sua filha para que não tivesse relações sexuais com nenhum homem.

Entretanto, Zeus sentia desejo sexual pela filha do rei. Por isso, ele se disfarçou de chuva de ouro, entrou na prisão e teve relações com Danae. A história não deixa claro se Zeus teve tais relações em forma de chuva de ouro ou se, uma vez dentro da prisão, se transformou novamente no que era para se deitar com a moça. Seja como for, houve uma união sexual e o resultado da união foi o nascimento de Perseu.

Acho que o leitor já entendeu tudo. O que temos aqui, mais uma vez, é aquela confusão que os romanos faziam entre concepção virginal e concepção através de sexo entre um deus e um humano. Perseu não era filho de uma virgem. Ele era filho de uma mulher que teve relações sexuais com um deus. É uma senhora diferença. Vamos expor o texto mais uma vez.
Nós anunciamos que ele nasceu de uma virgem, mas isso para vocês pode ser semelhante a Perseu (I Apologia 22:5).
Note a ênfase no “para vocês”. Justino não está dizendo que ele realmente acha que é semelhante. Ele apenas está citando uma alegação dos romanos. Em suma, Justino Mártir faz um bom trabalho em seu livro, mas peca em não bater mais forte e de forma clara na questão das semelhanças serem gerais demais (ou mesmo falsas) para servirem como prova do cristianismo ser um plágio.


Agora, veja o tempo que levei para mostrar tudo isso ao leitor. Veja como que tudo isso depende de bastante estudo e atenção. Quem é que vai se preocupar em fazer isso? A idéia é sempre a seguinte: “Se o documentário está citando as fontes, não pode ser mentira. Logo, eu não preciso pesquisar nada”.

Muitos outros truques psicológicos poderiam ser mostrados aqui. O sucesso que o documentário teve entre os internautas se deve inteiramente a esses truques. Eles são o elemento mágico que permite esconder a má qualidade dos argumentos e fazer com que o espectador acredite que os produtores do documentário são os paladinos da verdade, homens estudiosos e honestos, que não tem compromisso com nenhuma crença que não tenha fundamento racional, mas apenas com a verdade.

Não obstante, o que mostrei aqui já é o suficiente. Na próxima postagem, que é a última da série, iremos refutar justamente essa imagem de “dono da razão” que aqueles que produziram Zeitgeist tentaram formar para si. Ficará claro que há um conjunto de crenças extremamente irracionais, idiotas e, sobretudo, perigosas, que os produtores do documentário carregam e que fazem um esforço incrível para incutir na cabeça do pobre espectador. Sim, a próxima postagem não será uma defesa contra os pífios argumentos de Zeitgeist, mas um ataque contra suas crenças infantis.
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*Observação: Os textos utilizados nessa postagem tiveram sua linguagem atualizada, a fim de que o conteúdo se tornasse mais claro para o leitor. Entretanto, o conteúdo dos textos permanece exatamente o mesmo, conforme o leitor poderá conferir em qualquer Bíblia e em qualquer versão do livro I Apologia, de Justino Mártir. 
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Bibliografia:
1. Mártir, Justino. I Apologia. Presente neste link:
2. [Site com a história de Perseu]. Presente no link:

Um comentário:

  1. você esquece DE usaR última paráfrase de citar o termo "crucificado" !!!! Apologia 21:1

    "Quando nos dizem que ele, Jesus Cristo, nosso mestre, foi produzido sem união sexual, FOI CRUCIFICADO e morreu, e ressuscitou, e ascendeu ao Céu, nós não propomos nada diferente daquilo que vocês acreditam em relação àqueles que vocês estimam como Filhos de Júpiter". (1ª Apologia 21) P. 38 EDITORA PAULUS

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