sexta-feira, 1 de março de 2013

Carta a um professor marxista

No dia 5 de fevereiro deste ano enviei uma carta-email a um professor meu da minha universidade. O assunto da carta: Reflexões sobre a doutrinação ideológica de meu professor em sala de aula. Embora os fatos que aqui serão citados sejam reais, optei por utilizar nomes fictícios, a fim de não expor ninguém a qualquer tipo de constrangimento ou popularidade indesejada.

Antes de ser criticado pelo leitor por levar este texto a público, devo dizer que meu professor não entendeu meu email como uma falta de respeito. Visto que sua resposta (a qual mostrarei no final desta postagem) foi positiva e elogiosa à minha postura questionadora, ratificando que não se sentiu ofendido, acredito não haver problema em expor o texto aqui, respeitando, no entanto, a sua identidade.

As datas estranhas que cito aqui (sempre no mês de fevereiro, mês de férias nas faculdades) se justificam pelo fato de minha universidade ter ficado três meses sem aulas, em função da greve das universidades federais e estaduais que ocorreu no ano passado. Portanto, estamos tendo aulas desde a segunda semana de Janeiro para repor esse tempo de inatividade. Por fim... Segue-se o documento.

A Carta

Caro professor Fernando [nome fictício],

O objetivo deste email é fazer conhecido ao senhor uma série de reflexões que tenho feito em cada uma de nossas aulas (desde o semestre passado) a respeito de seus comentários sobre política. Desde já, quero deixar claro que admiro o senhor pelo seu senso crítico e seu engajamento político, bem como o vejo como um professor que ama a seus alunos e que ama dar aulas (coisas essenciais em um professor).

Entretanto (e esse é o assunto deste email), eu não concordo com a maioria das análises que o senhor faz e, para não correr o risco de me passar por hipócrita em nossas aulas, acredito que o melhor a fazer é expor-lhe minhas opiniões. Se não o fiz antes, nas próprias aulas, não foi por covardia, mas por sensatez e humildade. O senhor é um homem culto, que já leu e ainda lê muito, que desde novo sempre esteve muito inteirado em assuntos políticos e que tem bastante experiência de vida. E eu sou um mero aluno universitário, de dezenove anos de idade, que não viu muita coisa e que não tem um ano que começou a se interessar por política.

Eu o rebateria em todas as aulas se o senhor fizesse ataques à crença em Deus e ao cristianismo, pois deste assunto eu entendo e venho estudando fortemente há mais de quatro anos. Mas eu simplesmente não tenho condição de me levantar, em plena sala de aula, para discutir sobre política com um doutor de sessenta anos que respira política desde jovem. O senhor iria citar detalhes que desconheço, formaria argumentos em cima disso e eu não teria como responder naquele momento. Sobretudo, num ambiente onde, provavelmente, os meus colegas de classe estariam do seu lado e contra mim, tendo em vista a aceitação unânime que meus colegas parecem ter do que o senhor diz. Seria uma bancarrota histórica.

Em vez de fazer tamanha idiotice, preferi me recolher à minha ignorância e fazer o que de mais importante um aluno pode fazer: ouvir e ponderar. É o que tenho feito em todas as suas aulas. É possível que o senhor pense que concordo com tudo o que o você fala, já que nunca me opus. Mas quem cala nem sempre consente; às vezes reflete.

De modo nenhum o que vou escrever aqui se constitui um ataque ou um texto que intenta desmoralizar o senhor. É apenas um texto fruto de reflexões a respeito do que tenho ouvido em cada aula. A opção pela escrita é que sempre me saio melhor escrevendo do que falando.

Ponderações sobre a aula do dia 29 de fevereiro

A UERJ é um antro de esquerdistas. Quase todo mundo que eu conheço lá ou é de esquerda ou é aquele típico centrista que está sempre inclinado para a esquerda. Mas, dificilmente encontrarei alguém mais esquerdista que o senhor. O senhor é daqueles esquerdistas que já nasceu lendo Karl Marx. Não que ser de esquerda seja necessária-mente o mesmo que ser marxista e/ou comunista, mas o senhor abraçou a doutrina do alemão barbudo com uma convicção que faz inveja até a um mulçumano tradicional que crê com todas no profeta Maomé. E não há queda do muro de Berlim que o faça parar de criticar vorazmente o capitalismo.

Em todas as nossas aulas, ao dar exemplos e contar histórias que nos possam ajudar a entender melhor a matéria, o senhor não deixa de dar “pauladas” em nossos governantes (o que o faz com toda a razão, diga-se de passagem), pondo, entretanto, a culpa de tudo na direita, nos burgueses, no capitalismo e naqueles conchavos entre governo e mega empresas, que o senhor chama de política “neoliberal” e faz parecer aos alunos que é uma política típica dos governantes de direita.

Pois bem, na terça-feira do dia 29 de fevereiro, acordei cedo, me arrumei e saí de casa rumo à universidade, como faço todos os dias. O tempo estava bem cinza, frio e um pouco chuvoso. Eu já esperava poucos alunos em sala, mas surpreendentemente, ao chegar lá, tornei-me o único aluno da aula. Não havia mais ninguém. E assim foi quase a aula inteira até chegar a Bruna [nome fictício], assistir dez minutos junto comigo e depois sair, uns trinta minutos antes do fim. O senhor deve se lembrar.

Embora mais moderado do que nos demais dias, o senhor não deixou de afirmar suas opiniões. Foi durante o pequeno período de dez minutos em que Bruna estava na sala de aula. O senhor deu um exemplo de como a mídia pode se colocar a favor de um político e contra outro sem falsificar fatos e mantendo aparente neutralidade. Disse algo mais ou menos assim:

Suponha que vocês dois sejam políticos. A Bruna é a favor da privatização dos hospitais públicos e o Davi é contra. Mas a mídia é a favor da Bruna. Como a mídia fará para defender Bruna mantendo uma aparência de neutralidade? Bem, ela irá mostrar como os hospitais públicos estão horríveis e abandonados para que o espectador já forme uma opinião contrária aos hospitais públicos. Também procurará dar mais repercussão a coisas boas em que Bruna está envolvida (por exemplo, Bruna foi a uma festa repleta de pessoas conhecidas que o público gosta) e mais repercussão a coisas ruins na vida de Davi (exemplo: a filha dele foi encontrada se drogando na rua). 
É isso que a mídia faz a favor do nosso governo atual [principalmente a Globo, segundo o senhor]. Nosso prefeito e nosso governador querem acabar com a saúde pública. Os caras querem privatizar tudo. São uns filhos da p*ta. E a mídia está do lado deles.
Não discordo de tudo o que o senhor falou. Realmente a mídia goza de um poder manipulador considerável. Mas isso não é necessariamente ruim ou imoral. É inevitável para todo ser humano manipular. Existe um campo de estudo, em cultura, que se chama semiótica. Dentro dele, alguns autores trabalham com a tese de que todo e qualquer discurso é manipulatório, pois manipular é fazer com que alguém aceite seu ponto de vista. E um ponto de vista por vezes não é uma mentira, mas apenas uma das visões que existem sobre um mesmo fato, a depender das circunstâncias analisadas. É aquela velha história do copo pela metade. Para quem é otimista, o copo está meio cheio e para quem é pessimista, o copo está meio vazio.

Eu não endosso totalmente a tese dos autores de semiótica, pois não concordo com a definição deles de “manipulação”. Mas a tese me serve para averiguar que, pelo menos uma boa parte dos discursos são manipulatórios no sentido de que, mesmo sem perceber, nós sempre vamos puxar sardinha para o nosso lado. Ninguém lista os seus piores defeitos quando está de olho em uma mulher, mas ao falar de si mesmo, costuma mostrar só seus lados positivos. Por isso, para saber qual é a visão mais plausível sobre qualquer fato, é indispensável que se estude as diferentes visões sobre ele.

Creio que as diferentes visões de mundo são um ingrediente essencial para que a democracia funcione e mesmo que a maior parte da mídia apresente uma mesma visão de mundo, ainda assim não é difícil averiguar isso e fugir dessa manipulação. O homem tem capacidade de escolher em que vai acreditar. Basta ter um pouco de senso crítico e procurar estudar (e ler, ler muito).

Agora, perceba que o senhor mesmo se utilizou de manipulação, de indução e de truques psicológicos em seu exemplo. Primeiro, fez com que a mídia ficasse do lado da privatização dos hospitais. Depois, tentou nos induzir a crer que a mídia só fala mal dos hospitais públicos porque quer vê-los privados. Finalmente, em seu comentário, acusa o nosso governo de querer privatizar os hospitais e os chama de filhos da p*ta, o que nos inclina a pensar que, de fato, essa é a meta do nosso governo e que privatizar é uma coisa muito ruim.

Nada disso é evidente. Primeiro, a mídia não está do lado da privatização em si, mas da manutenção desse sistema capitalista aguado de “terceira via” que, ironicamente, é chamado de “neoliberal”. Eu explico: desde os primórdios, o genuíno pensamento de direita vem defendendo o capitalismo como um sistema que não deve sofrer intervenção do governo. Isso significa que o empresário é livre, dentro da lei, para fazer o que quiser de seus negócios e, do mesmo modo, não recebe ajuda alguma do governo se não gerir direito a sua empresa. Ele que arque com as conseqüências.

O Estado, dentro do pensamento da direita, deve se meter o mínimo possível no mundo dos negócios, limitando-se a criar e votar leis justas e fiscalizar o cumprimento dessas leis. Foi justamente esse pensamento que a esquerda sempre rechaçou. Para ela, o Estado tem o papel fundamental de se meter o máximo possível em tudo, a fim de fazer da sociedade um paraíso. Mesmo Marx, que no fim das contas queria o fim do Estado, via o mesmo como uma ferramenta para acabar com a burguesia e transformar o mundo em um lugar igualitário e pronto para não ter mais governos.

Enfim, à exceção da vertente puramente anárquica da esquerda, a ideologia da esquerda é estatizante e intervencionista, o extremo oposto da direita. Se uma pessoa consegue entender isso, também consegue entender que a política de parceria entre o público e o privado chamado pela esquerda de “neoliberalismo” não é uma ideologia de direita, mas uma ideologia esquerdista menos marxista e mais keynesiana (Keynes, o economista que pregava um forte intervencionismo estatal dentro do capitalismo). É a “terceira via”, que não quer destruir o capitalismo, mas quer subordiná-lo totalmente ao Estado, a pretexto de justiça social.

O problema é que, na prática, o que a terceira via sempre gera é: ou uma ditadura populista ou um governo extremamente incompetente e corrupto. A segunda opção é o caso brasileiro. É fácil entender o motivo. O governo intervencionista dificulta a vida de pequenos e médios empresários com altos impostos e muita burocracia. Sobrevivem os grandes empresários que acabam se unindo ao governo para fazer inúmeras obras “para o povo”, o que gera as corrupções e joga fora o nosso dinheiro. Ou seja, o governo está em tudo e, por isso, tem muito mais oportunidade desviar ou usar mal a verba pública.

Os esquerdistas pensam que um Estado intervencionista é um Estado no qual as empresas estão subordinadas a ele. Não necessariamente. Um Estado intervencionista é, na verdade, qualquer Estado que se mete a empresário. São desses modelos que surgem as parcerias público-privadas que tanto facilitam a corrupção, bem como os chamados lobbys (o apoio mútuo entre políticos e empresários, no qual um favorece o outro).

Esse modelo esquerdista de capitalismo aguado pode ser ruim para o povo e para as pequenas e médias empresas, mas é ótimo para os políticos e para as empresas que já estão bem no mercado. É aí que entra a grande mídia. A Globo, por exemplo, não é o que se pode chamar de expoente do pensamento conservador (não vejo nada de Burke, John Locke, Alexis de Tocqueville e Kirk Russell na Globo). Ela é, sim, uma mega em-presa que conseguiu crescer fazendo lobby com os governos militares (ditadores cen-tristas e não de direita, aliás).

Como a ditadura acabou, a Globo precisava se posicionar ao lado de políticos que mantivessem um regime mais ou menos centrista. Não servia a esquerda marxista, porque em pleno fim de guerra fria, nenhuma grande empresa confiaria em políticos que apoiavam o comunismo. Por outro lado, não servia um político laissez-faire, porque ele iria estimular a concorrência entre empresas (até empresas estrangeiras) e se retirar do cenário, deixando a Globo em perigo de perder a hegemonia. Bem, que eu saiba nunca houve um político laissez-faire no Brasil, então a Globo se concentrou apenas em tirar os marxistas do caminho. Viva a terceira via!

Então, voltando à questão das privatizações, a grande mídia não a defende. Ela defende é o modelo público-privado. Desde que esse modelo continue, não importa se as empresas serão públicas ou privadas, porque no fim das contas, dá no mesmo. Esse modelo público-privado da terceira via emperra a concorrência entre as empresas e faz a alegria de quem tem um monopólio. O que seria de Eike Batista se não fossem nossos políticos terceira via?

Mas o que o senhor quer é que seus alunos acreditem que a terceira via é uma política de direita. Não o faz por desonestidade, tenho certeza, mas porque realmente acredita com todas as forças na “estatização de todos os meios de produção”. Então, o que quer que fuja disso, para o senhor, é política de direita.

Um segundo ponto de sua indução é quando dá a entender que nossos hospitais públicos só são criticados pela mídia porque ela quer a privatização deles. Mas como eu já deixei claro, isso é irrelevante para a mídia. A não ser, evidentemente, nos casos em que os empresários por trás de uma organização midiática pretendam comprar esses hospitais. Mas não acho que toda a mídia tenha interesse no setor de saúde.

Seja como for, é fato que o sistema de saúde do Brasil é péssimo. E a mídia deve mesmo bater em cima disso, seja lá qual são as suas reais intenções. Ainda que a Globo e outras empresas midiáticas quisessem comprar alguns hospitais públicos, suponhamos, não vejo isso como algo ruim. Tenho por certo que, em busca de lucro, todas elas iriam melhorar muito os seus serviços médicos para conseguir angariar pacientes de clínicas e outros hospitais particulares, bem como dos que iam aos hospitais públicos.

Caso os hospitais ficassem caros demais para a população mais carente, o Estado teria muito menos gasto em pagar os serviços privados de algum desses hospitais para os mais necessitados (que poderia ser escolhido pela própria pessoa necessitada) do que teria pagando toda a estrutura dos hospitais públicos. Sobraria mais dinheiro, inclusive, para reformar alguns hospitais públicos que não fossem vendidos.

Isso é uma suposição de um interesse da mídia na privatização dos hospitais. Se for verdadeira, no entanto, isso não quer dizer que a mídia seja de direita, conforme o professor sempre afirma. Porque a privatização que grandes empresas querem jamais é uma privatização aos moldes da economia liberal clássica. Elas querem privatizações ao estilo PSDB, onde o governo não incentiva a concorrência. Aliás, uma economia liberal clássica causa calafrios em qualquer grande empresário. Imagine se o governo tornasse bem fácil a criação de emissoras na TV aberta. Pense no desespero da Globo ao ver algo como 20 novas emissoras de grande porte aparecendo em canal aberto.

E os bancos? Sabe por que temos crises financeiras no mundo? É porque todos os governos têm conchavos com bancos. Bancos Centrais existem para unir governo e bancos privados. Essa união traz benefícios para os bancos e para os políticos, mas é a raiz de males como gastos públicos desnecessários, investimentos ruins, hiperinflação, queda fictícia de juros, bolhas imobiliárias, crises mundiais e etc. No entanto, o governo continua sempre bem e os bancos, quando estão para quebrar (depois de fazerem muita merda), são auxiliados com o dinheiro dos nossos impostos. A crise de 1929 ocorreu em função desse conchavo entre governo e bancos, assegurado pelo FED (Federal Reserve), o Banco Central americano (criado em 1913).

Isso não é liberalismo clássico, não é direita, não é laissez-faire. É uma mistura maligna de governo e negócios. A “privatização” nesse tipo de governo é quase sempre a mesma coisa que um casamento entre o governo e os grandes empresários. Se, de fato, nós tivéssemos um governo de direita, as privatizações ocorreriam em conjunto com um afastamento do Estado das questões empresariais e o incentivo a uma concorrência que colocaria pressão nas hegemonias.

A sua terceira indução é quando o senhor dá a entender que nossos governos têm como meta privatizar todo o sistema de saúde pública. Será? O que vejo é apenas um governo se tornando cada dia mais gigante. O prefeito Eduardo Paes, por exemplo, criou um monte de UPA’s e de Clínicas da Família e nenhum hospital foi privatizado. Ou seja, o sistema público de saúde se tornou maior (embora não melhor). Se privatização, para o senhor professor, é o mesmo que parcerias público-privadas, então é possível mesmo que o governo tenha como meta “privatizar”.

Certamente o senhor não concorda que esse tipo de regime é resultado direto da esquerda. Mas basta se lembrar da retórica esquerdista (sobretudo a marxista) no que se refere o capitalismo: “O sistema capitalista é um sistema perverso que se baseia na concorrência selvagem. Todo mundo só está atrás de lucro. Essa é a visão de mundo no modelo capitalista. Mas a esquerda defende uma visão de mundo de mais colaboração e menos competição”. Não é assim? E não é o que vivemos hoje? Onde está a competição acirrada entre várias empresas? Não existe. Só existem monopólios. E o governo é que cria esse sistema.

Por fim, o senhor professor induz os alunos a pensarem que a privatização é algo ruim. Gostaria que o senhor me mostrasse porque pensa assim. Será que a privatização realmente é ruim para as pessoas? Isso é algo tão evidente? Creio que não. Estou lendo um livro interessante recém lançado pelo economista brasileiro Marcelo Constantino chamado “Privatize já”. No livro, o economista mostra de maneira simples e objetiva, comparando os dados, como que as privatizações de empresas como a Telebrás, a Vale, a Embraer e outras melhoraram muito a qualidade e velocidade dos serviços, cresceram, lucraram muito mais, geraram mais impostos para os governos, aumentaram a oferta de empregos ao longo do tempo e aumentaram a folha de pagamento dos funcionários.

Os pontos negativos são, em geral, de curto prazo. Uma empresa que acaba de ser privatizada costuma demitir alguns funcionários no começo, a fim de equilibrar suas finanças e investir em crescimento. A empresa pública não precisa equilibrar finanças, já que o dinheiro é eterno, vem do governo. No entanto, o crescimento que a empresa privatizada experimenta depois de um período de investimentos cria sempre muito mais empregos do que o que existia no inicio. A Vale, por exemplo, emprega hoje oito vezes mais gente do empregava na era estatal. Ora, se a esquerda se preocupa tanto com os que perderão os empregos no início do processo (preocupação justa, claro), a solução é simples: pagar uma gorda indenização ao desempregado. Sem dúvidas, o governo teria dinheiro para isso, sobretudo, depois de não precisar mais pagar o salário de todos.

O problema é que o governo nunca pensa a longo prazo. Ele pensa é na próxima eleição e, por isso, não quer correr risco de ter um monte de sindicato na oposição. E aí as estatais continuam péssimas e sugando dinheiro do nosso bolso (altíssimos impostos, o principal pilar em uma economia de esquerda). Mas o senhor professor, como bom comunista e esquerdista que é, não consegue enxergar isso. Para o senhor, quanto mais poder nós dermos ao todo-poderoso Estado, melhor. Sinto muito, mas não tenho essa fé toda no Estado...

Uma conversa esclarecedora

Um minuto para a aula acabar e duas coisas me incomodaram: eu não fiz muitas perguntas e nem deixei no ar minha opinião. Então, resolvi fazer isso. Comecei dizendo ao senhor que, em minha opinião, grande parte dos problemas residia nessas parcerias público-privadas. O senhor concordou comigo. Perguntei, então, como que essas coisas poderiam ser resolvidas.

Saímos da sala e o senhor foi me falando de suas idéias no cumprido corredor que leva à sala dos professores. O senhor disse mais ou menos assim:

Eu sou a favor de um Estado interventor. Acho que todos esses serviços mais importantes deveriam ficar nas mãos do Estado. Não digo nem acabar com as empresas privadas, mas limitar a atuação delas. Elas podem continuar existindo e competindo, mas o governo deve ficar em cima e não favorecer nenhuma delas, em especial. Cristina Kirchner e Hugo Chávez estão fazendo isso na Argentina e na Venezuela.
Como não poderia deixar de ser, o senhor exalta presidentes que tomam atitudes autoritárias. Nenhuma surpresa, vindo de um comunista. Mas é uma coisa que não entra na minha cabeça, sabe? Posso até entender que um historiador seja comunista, que um filósofo seja comunista, que um economista seja comunista. Mas um jornalista?

Sei que não tenho experiência nenhuma, mas eu aprendi algo em jornalismo: que a liberdade de expressão é o bem mais importante de um jornalista. Então, como é que um jornalista vai defender governos autoritários e ditaduras? Como um jornalista pode ser favorável ao comunismo, cujas empresas jornalistas são do governo? Será que em um regime comunista é permitido ter um jornal que critique as ações do governo?

Jornalistas Comunistas... Acho a coisa mais incoerente do mundo. Eles criticam com todo o fervor o período ditatorial do Brasil (1964-1985) com toda a razão. Mas são incapazes de fazerem o mesmo com os regimes ditatoriais comunistas da URSS, China, Cuba, Coréia do Norte e Camboja, que foram muito mais intensos e que causaram um número de morte milhões de vezes superior (não é exagero ou hipérbole: calcula-se que todos os regimes comunistas, juntos, foram responsáveis por cerca de 100 milhões de mortes, por fome, repressão e guerras).

Para mim, o jornalista deveria ser contrário a todo e qualquer regime ditatorial, não importando se é um regime comunista, fascista ou militar. Há quem diga que Cuba não é uma ditadura, pois as pessoas têm acesso a boa saúde e educação. Ok. Mas ainda que isso seja verdade, como jornalista, não posso aceitar um lugar onde o governo tolhe a liberdade de expressão. Se me perguntassem o que é mais importante, se é o bem estar das pessoas ou a liberdade de expressão eu responderia com outra pergunta: “O que é mais importante para um indivíduo, seu coração ou seu cérebro?”.

O senhor professor continuou:

O Estado deveria ter uma TV estatal, por exemplo. Ali as pessoas teriam voz e nós poderíamos ter acesso a informações diferentes das que as grandes empresas nos oferecem. Uma TV estatal também iria acabar com o financiamento privado das campanhas eleitorais.
Eu quase enfartei quando ouvi isso. O senhor quer uma TV estatal porque acha que ali teremos voz, teremos a verdade e a corrupção que emerge das parcerias entre Estado e empresas no que diz respeito a financiamentos de campanha iria acabar. Poxa, em que mundo o senhor vive? Uma TV estatal apenas aumentaria o poder do Estado, servindo de propaganda para os partidos dominantes e de ferramenta para corruptos e totalitaristas. Ainda mais com o Estado interventor que o senhor deseja: um Estado que vai fechar algumas TV’s privadas, dificultar a expansão de outras e regular o que pode ou não ser falado. Parece que o senhor quer mesmo uma ditadura no Brasil.

Não acreditando no que ouvia, tomei coragem e perguntei:

Professor, eu confesso que sou cético quanto ao Estado. O senhor não acha que aumentar o poder do governo só iria piorar a situação? Penso que quanto mais o Estado se meter, mais corrupção e incompetência nós teremos e quanto menos o Estado se meter nas coisas, melhor.
O senhor respondeu:
Ora, o Brasil, dos anos 30 aos 60 se industrializou e desenvolveu muito. E tudo por iniciativa do Estado. Depois disso, o Brasil parou. Os militares fizeram tudo errado. Então, o problema não está na participação do Estado. O problema está nesse Estado que nós temos hoje. Esse Estado está todo errado. Ele precisa de uma reforma: Os partidos não têm direito ao mesmo tempo de propaganda na mídia. Se eu quisesse me eleger hoje, não ganharia merda nenhuma. Só ganham as mesmas pessoas de sempre. E o partido não tem direito ao mandato, mas sim o candidato. Existem candidatos que atrapalham candidatos do próprio partido. E as empresas têm um poder absurdo. Há muitos monopólios... A constituição de 1988 foi um avanço, mas ela é falha. Tem muita coisa para mudar. Então, com Estado que está aí hoje, não é possível. É preciso mudar o Estado. Neste ponto, você está certíssimo: quanto menos esse Estado se meter, melhor.
A sua argumentação pode até parecer convincente à primeira vista, porém uma observação mais aprofundada mostra que ela não faz sentido. Primeiro, o senhor supõe que a atuação maciça do Estado é benéfica porque o Brasil começou a se industrializar a partir dessa atuação, em 1930. Acontece que o Brasil era um país basicamente agrário e que precisava se industrializar de qualquer jeito. Era isso ou se transformar em uma segunda África. Ou seja, qualquer investimento em indústria e tecnologia, fosse pelo Estado ou pela iniciativa privada, iria modificar completamente o cenário brasileiro. É aquela história que conhecemos: “Para quem não tem nada, a metade e o dobro são a mesma coisa”.

Não há porque pensarmos que o progresso do Brasil de 30 a 60 se deu porque o Estado esteve presente. OS EUA, por exemplo, progrediram muito de 1879 a 1913 com uma intervenção mínima do Estado. Se compararmos esses 34 anos dos EUA com os 34 brasileiros decorridos de 1930 a 1964, veremos que os EUA foram muito superiores em seu desenvolvimento. Quer dizer, o progresso brasileiro não se deu por causa da atuação do Estado, mas apesar da atuação dele.

Aliás, vale lembrar que foi sempre o Estado que atrapalhou o desenvolvimento do Brasil. O Barão de Mauá foi solapado pelo Estado. Morreu pobre, até. Investidores estrangeiros que poderiam concorrer com Mauá também foram solapados. Fazendeiros não foram incentivados a abrirem indústrias. Os negros que foram livres em 1888, não receberam incentivos financeiros para abrirem pequenos negócios. O Estado não moveu uma palha para industrializar o país, pelo contrário, só atrapalhou. Estou certo de que se o Estado tivesse apoiado a industrialização por meio da iniciativa privada, o Brasil seria muito mais desenvolvido atualmente.

Devemos lembrar ainda que quando o Estado quer tomar as rédeas da economia, planejando tudo, dificilmente consegue fazê-lo se não aumentar seu poder, criando uma ditadura. Não é por acaso que Getúlio Vargas foi um ditador por longos onze anos. E o aumento da participação estatal a partir dele criou uma cultura governamental onde o Estado deve ser o motor da vida humana. Não me admira que após isso o Brasil tenha passado por uma ditadura militar de 64 a 85. A cultura tem poder...

Em segundo lugar, o senhor professor diz que o problema está nesse Estado. É aqui que ficou bem claro para mim tudo o que venho analisando em meu blog (Mundo Analista) desde que eu comecei a falar sobre política: o senhor, como todo esquerdista, apresenta a crença no homem. Ou seja, o senhor acredita mesmo que o homem é bom por natureza, corrompido por fatores externos a ele, mas que tem a plena capacidade de transformar todo o mundo, de se descorromper e de fazer um paraíso na terra. Por isso, o senhor acredita que o Estado deve ter mais poder – porque o problema não está na natureza humana, mas no sistema atual, no Estado atual, nos políticos atuais. Os homens certos no poder poderão mudar tudo e nos levar à felicidade. Eu não preciso lembrar que esse pensamento levou às maiores ditaduras e aos maiores genocídios da história, né?

Bem, eu não discordo de tudo o que o senhor falou. Afinal, não estou propondo aqui uma espécie de darwinismo social, no qual “o mundo não pode melhorar nem um pouco, devemos nos conformar e incentivar que os mais ‘fortes’ (ricos e poderosos) devam eliminar os mais ‘fracos’ (pobres e oprimidos)”. Vamos com calma!

O que estou propondo (e esse é o verdadeiro pensamento de direita, desde Smith e Burke) é que não dá para transformar esse mundo em um paraíso. Isso é utopia. Todas as tentativas irão sempre levar a projetos incompetentes, à corrupção, à ditaduras e a genocídios. Porque o ser humano é inclinado naturalmente a não ser perfeito (e mesmo que não fosse, não há evidências de que podemos nos livrar da corrupção social que já nos sujou – há evidências que nos provam justamente o oposto disso na história).

Mas isso não quer dizer que não exista moral, certo e errado. Não quer dizer que não dê para mudar alguma coisa. Por exemplo, Montesquieu tinha plena convicção que o homem com poder vai até encontrar limites. Ou seja, é preciso limitar esse poder com uma divisão do mesmo, na qual cada um dos poderes resultantes estará em tensão um com o outro, evitando o despotismo. Isso não evita que o mundo continue sendo mal e que pessoas autoritárias surjam vez ou outra. Mas melhora bastante o quadro. É isso que proponho: melhoras possíveis e não projetos mirabolantes.

Por isso, acho importante a existência da esquerda. Eu não concordo com quase nada do que ela diz, mas é preciso haver tensão entre ideologias, tensão entre partidos, tensão entre poderes políticos, tensão entre público e privado. É assim que se faz uma democracia legítima. Não obstante, a esquerda acha que um governo democrático é um governo autoritário, estatizante, de um partido só e que quer resolver tudo sozinho. A esquerda tem uma visão maniqueísta do mundo: a esquerda é o bem, a direita é o mal; a burguesia é o vilão, o proletariado é a vítima; o branco é o estúpido, o negro é o herói; o heterossexual é o psicopata, o homossexual é o santo; o religioso é a doença, o câncer, o verme, o anti-religioso é o remédio, a cura, a salvação. Aí realmente é complicado.

Mas para não fugir muito do assunto, o que o senhor professor falou sobre uma reforma política, é válido. A constituição tem muitos defeitos. O sistema eleitoral é ruim, de fato. Partidos não terem o mesmo tempo para expor suas idéias é algo que atrapalha bastante, pois em um país tão corrupto, quem se dará melhor são os desonestos. Agora, não é necessário um Estado mais inchado reformar isso.

Quanto à constituição de 1988, acho legítimo comentar que se ela não é boa, a culpa é, majoritariamente, da esquerda. Porque ao fim da ditadura quase todo mundo era de esquerda. É fácil entender o motivo. A ditadura no Brasil foi a melhor coisa que já aconteceu para a esquerda brasileira. Porque, no início, muitos conservadores que não viam com bons olhos a insensatez da esquerda apoiaram o regime. O regime que se viu, no entanto, não foi uma direita e sim uma ditadura centrista que utilizou alguns poucos elementos da direita apenas como pretexto para manter o poder. Aí o mal já estava feito e não adiantava chorar.

A direita foi estigmatizada como ditatorial, a esquerda ganhou mais adeptos do que nunca e o governo, que não era nem de esquerda, nem de direita, não se empenhou em um combate intelectual democrático contra a esquerda (limitou-se a reprimir com violência física os dissidentes do sistema). Quando a ditadura acabou, quase ninguém tinha vontade de ser de direita. A direita morreu ideologicamente. E quem a matou foi a ditadura centrista, chamada erroneamente de direitista.

A verdade é que a esquerda deve muito ao centrismo. Porque ele é amplo e não muito bem definido. Pode ser democrático ou ditatorial. Pode ser usado por governos de esquerda para conseguir apoio da mídia e de certos grupos, mas também pode ser usado para acusar a direita, dizendo que determinadas posturas de centro e de centro-esquerda são, na verdade, de centro-direita e de direita. A competição entre PT e o PSDB é um exemplo claríssimo disso. O PSDB é taxado como partido de direita, embora seja um partido de centro-esquerda que carrega a Social Democracia no nome e no DNA. Aliás, lembro-me de uma aula na qual o senhor fez um rápido comentário em tom cômico, mas sincero, que FHC é de extrema-direita... E todos os alunos concordaram com isso, o que mostra que a esquerda está a milhões de quilômetros à frente da direita no que tange à aceitação do que ela diz.

Mas para não se afastar muito do ponto, a questão é: se a constituição é tão falha, isso é culpa da esquerda, que era majoritária quando a constituição foi feita. E ela ainda é majoritária hoje. Se fizerem outra constituição, vamos continuar seguindo os mesmos moldes de governo que nós estamos seguindo desde Getúlio até hoje.

A estratégia gramsciana

Antônio Gramsci, um grande teórico italiano do marxismo, acreditava que culpa do comunismo não ter sido implantado em toda a Europa era da cultura. A massa não estava habituada às idéias de Marx. As classes mais baixas não tinham, em sua cultura, a mentalidade marxista. Para Gramsci, o comunismo só poderia ser implantado em todo o mundo se os marxistas começassem a investir pesado em cultura. Em outras palavras, a ideologia do alemão barbudo deveria entrar nas escolas primárias, nas universidades, nos hábitos dos estudantes, nas relações familiares, na mesa do almoço, no futebol com os amigos, nas construções civis, no bar, na cama, no prostíbulo e etc. Porém, a porta de entrada do marxismo tinha que ser mesmo as escolas e universidades.

O pensamento de Gramsci, muito perspicaz, era de que se os mestres de escola e universidade se tornassem doutrinadores marxistas, seus alunos também se tornariam marxistas. Esses alunos sairiam de suas salas de aula disseminando o que aprenderam com seus mestres marxistas para o “povão”, só que com uma linguagem muito mais simples e acessível. Então, gradualmente a mentalidade e a cultura das pessoas seriam moldadas. Lembre-se ainda como que é extremamente fácil excitar massas de jovens imaturos e inexperientes.

A estratégia gramsciana foi cooptada por toda a esquerda. Mesmo aqueles que já não sonham com um mundo comunista, sabem que a esquerda deve atacar fortemente no campo da cultura. E é isso o que o senhor professor faz, assim como muitos outros professores.

Do ponto de vista da guerra política (falo do campo intelectual), o certo seria eu ter rebatido o senhor em todas as aulas, mostrando para a platéia que existem equívocos claros em sua argumentação. E caso o senhor permanecesse nesses erros, eu teria como obrigação ridicularizar seus ideais. Mas, como já disse, não tenho esse ímpeto. Então, o senhor ganhará mais um combate contra a direita (e como tem sido fácil, né?), formando mais uma leva de estudantes marxistas e fazendo sua parte dentro da estratégia do nosso querido filósofo italiano. Não obstante, ao menos isso me serve de exemplo empírico do que venho estudando sobre a luta entre direita e esquerda.

Espero não ter ofendido a sua pessoa. Se o fiz, não era a minha intenção. Devo ressaltar outra vez que esse email não foi um ataque pessoal, mas apenas uma exposição de minhas reflexões. Estou aberto para debates por email. Caso tenha interesse em ler meus textos sobre política, pode começar por esse:

http://mundoanalista.blogspot.com.br/2012/12/a-crenca-no-homem-uma-analise-critica.html

No blog, há um Índice na lateral superior direita da tela. Clicando lá, é possível ver as principais postagens políticas do blog. Bem, isso é tudo.

Cordialmente,

Davi Caldas.


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A Resposta do Professor

O Professor “Fernando” me respondeu por email, com as seguintes palavras:

Caro Davi Caldas. Parabenizo pela iniciativa e me orgulho de ter você como aluno. Sinto muita alegria de ver em seu texto uma curiosidade intelectual aguçada, preocupação com o campo político no pensamento científico e filosófico e em seus contextos históricos. Nossa discordância não é só ideológica, também é de formação cultural e intelectual, mas discordância não significa nivelamento vertical, onde um pensa acima e outro fica abaixo. Cada um se inscreve no processo histórico de forma singular, cuja ação implica na discussão contra si e com outros. Alguns comentários construídos pelo seu belo texto também percorrem o víeis ideológico consagrado no consenso coletivo e minha confissão política não se camuflou momento algum.

Não entendo sua resposta por escrito como um ato de desrespeito. É corajoso e está sustentado de uma rica discussão principalmente para o estudo de Jornalismo, sem aí se limitar à crença da liberdade de expressão. O debate vai além da moda tecnológica e entra na região da TEORIA GERAL DA IDEOLOGIA, demonstrando a interdisciplinaridade da Comunicação Social. Vamos conversando.
Conclusão desta postagem

Ok, professor. Vamos conversando. :D

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