quarta-feira, 17 de abril de 2013

O Problema do Sofrimento

Se ele [Deus] quer evitar o mal, mas não é capaz de fazê-lo, então ele é impotente. Se ele é capaz, mas não quer evitá-lo, então ele é malévolo. Ora, se ele quer evitar o mal e é capaz de evitá-lo, então como se explica o mal?
Este pequeno questionamento, proferido pelo filósofo escocês do século XVIII, David Hume, é repetido todos os dias por milhares de pessoas, não só ateístas ou agnósticos, mas por teístas e cristãos que, ao analisarem todo o sofrimento que existe no mundo ou, ainda, passarem por algum problema mais grave, se perguntam como poderia ser Deus bondoso e onipotente, se ele permite tanto sofrimento. 

O problema se torna mais melindroso nem tanto pelo seu conteúdo lógico e sim mais por estar ligado de modo íntimo às nossas emoções. Mas, mesmo não querendo desprezar este fato, a primeira atitude que devemos tomar para analisar o problema do sofrimento é a de deixar de lado o velho “tô de mal, come sal, na panela do mingau”. Unir os dois dedos indicadores e dizer para Deus: “Corta aqui” pode até ser uma atitude viável para quem resolve seus problemas na base dos impulsos emocionais, porém se queremos encarar as dificuldades utilizando a cabeça, devemos deixar de ser infantis. Sejamos como crianças em nossa pureza, mas não sejamos infantis em nossos pensamentos. 

A proposta, então, está feita. Vamos analisar de modo detalhado todos os enlaces do sofrimento humano, a fim de procurar respostas para dúvidas freqüentes como: “Se Deus existe, por que existe tanto sofrimento?”, “Se Deus é bom, por que não intervém no mal?”, “Por que Deus permite que tantas injustiças aconteçam?”, “Onde estava Deus em tal, tal e tal situação?”. O leitor se aventura a continuar lendo? A escolha é só sua. 

Delimitando o Problema do Sofrimento 

Algo que é imprescindível para se analisar o problema do sofrimento é delimitar o problema. Em outras palavras, o que exatamente é o problema do sofrimento? À primeira vista, pode parecer uma pergunta boba. Boa parte das pessoas diria aqui que o problema do sofrimento está no fato de que se houvesse um Deus bondoso e onipotente não haveria sofrimento; como há sofrimento, não pode haver um Deus bondoso e onipotente. Em suma, para muitas pessoas há uma contradição lógica entre a existência de Deus e a existência do sofrimento. 

A dificuldade dessa concepção é que ela simplesmente não prova que haja uma contradição lógica entre a existência de Deus e a existência do sofrimento. Para provar essa contradição, seria necessário provar que o fato de Deus ser bom e onipotente torna possível que ele evite todo o sofrimento. Mas aqui tanto a onipotência quanto bondade de Deus não são suficientes para tornar isso possível. E por um motivo simples: Deus deu ao ser humano o poder de escolha. 

É no poder de escolha, o livre arbítrio, que se encontra o “x” da questão. Se Deus, de fato, deseja que o ser humano faça suas próprias escolhas, ele limita sua onipotência para que isso seja possível. E essa limitação consciente de onipotência é uma prova incontestável de sua bondade, pois seu desejo é que o ser humano não seja manipulado. Digamos, por exemplo, que sou um nobre francês do século XVII que sonha em casar-se com determinada dama. No entanto, essa dama me despreza. Então, certo dia eu resolvo entorpecê-la e, sob efeito de drogas a moça escolhe se deitar comigo. Agora, eu pergunto: a escolha da dama foi legítima e consciente? E a minha atitude foi boa, louvável e moral? Tenho certeza que o leitor responderá “não” para as duas perguntas. Em seu juízo perfeito a moça não se deitaria comigo, e se eu fosse uma pessoa moral não entorpeceria a moça. Com Deus acontece o mesmo. Ele é bom e por isso deseja que nossas escolhas sejam legítimas e conscientes. 

Aqui está o drama da história. Se o ser humano faz suas próprias escolhas, pode fazer o bem ou fazer o mal. Se escolhe fazer o mal, torna o mundo mal. Se torna o mundo mal, então é inevitável que exista sofrimento. Portanto, não podemos dizer que existe uma contradição lógica entre a existência de Deus e a existência de sofrimento. É possível que ambos existam porque o ser humano pode escolher fazer o mal. 

Então, voltamos à questão inicial: o que exatamente é o problema do sofrimento? Bem, se é possível que exista Deus e que exista sofrimento, as pessoas vão passar a perguntar por que esse sofrimento nunca acaba. Afinal, ainda que Deus não possa evitar que ele surja, por conta do livre arbítrio, é certo que ele pode selecionar pessoas que fazem as escolhas certas e fazer um mundo só delas. Se não faz isso, é porque não se importa. E se não se importa, é porque é mal. 

Existem duas respostas para essa pergunta. A primeira está pautada justamente na bondade de Deus. Nas principais religiões monoteístas é forte a concepção de que um dia Deus acabará com o sofrimento e o mal no mundo. É uma promessa de Deus que foi guardada por grande parte das pessoas. Quando adotamos o cristianismo, que tem sido a religião mais coerente até aqui, a resposta pode ser encontrada na própria Bíblia. Diz assim o apóstolo Pedro: 
Há, todavia, uma coisa, amados, que não deveis esquecer: que, para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos, como um dia. Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento (II Pedro 3:8-9). 
A promessa da qual Pedro fala é a promessa da volta de Jesus, quando todo o mal e o sofrimento cessarão. Para ele, essa promessa é demorada para nós, que enxergamos mil anos como sendo muito tempo, porém não para Deus, que é atemporal. E o motivo de Deus esperar por milhares de anos para cumprir sua promessa é justamente por amar o homem e querer dar tempo de arrependimento para todos. É uma idéia palpável. Imagine que o leitor não creia em Cristo atualmente, mas crerá, através de suas próprias escolhas, daqui a um ano. Se Jesus Cristo voltasse hoje, o leitor não poderia ser salvo da morte. Não seria insensível da parte de Deus? 

Mas chegará um tempo em que todas as chances terão sido dadas e todos os que escolherem ficar contra Deus, saberão exatamente o que estão fazendo. Nesse dia, não haverá como o Senhor não cumprir sua promessa; e quem não tiver se arrependido, infelizmente, não poderá mais fazê-lo. É por isso que Deus é tão paciente para com o ser humano. 

Uma segunda resposta para essa pergunta é que o ser humano se tornou naturalmente inclinado para o mal quando sua espécie escolheu desobedecer a Deus. Isso implica em dizer que não há mais jeito para esse mundo. Se Deus passasse a destruir hoje todas as pessoas que escolhem o mal, teria que destruir a todos, pois em maior ou menor escala, todos escolhem o mal em diversas situações. Assim, o que Deus se compromete a fazer é destruir essa inclinação natural ao mal apenas quando todas as pessoas estiverem bem certas de qual lado desejam seguir; mais uma vez uma prova de paciência. 

Alguém poderia dizer: “Mas Deus poderia já ir punindo quem escolhe o mal em maior escala”. Não é verdade. Porque há aqueles que escolhem fazer o mal em grande escala, mas um dia se arrependem; e com mais sinceridade do que alguns que pecaram muito menos. Também porque há aqueles que olham para as punições imediatistas de Deus e o encaram como sendo um Deus violento, passando a odiá-lo ou adorá-lo por medo. E, principalmente, porque o sofrimento no mundo é conseqüência direta do pecado. É quando olhamos para tudo o que é ruim, que entendemos que a única esperança do mundo é a volta de Jesus Cristo e a eliminação do pecado. 

Algumas pessoas insistem em se apegar ao mundo como ele é hoje: cheio de erros. Para este mundo, errar é normal e nem todo erro é ruim. Essas pessoas são hipócritas, porque querem que o mal seja eliminado, mas não querem deixar de ser más. E cada um defende o seu erro preferido, dizendo que ele não é tão grande quanto outros. Mas para Deus, todo erro é erro. O seu objetivo não é fazer esse mundo ter menos erros e sofrimentos, mas formar um novo mundo em que simplesmente não exista nenhum dos dois. Por este motivo, ainda existe sofrimento nesse mundo: porque não é nele, da forma como tem sido, que Deus deseja que nós habitemos em paz. 

Então, mais uma vez, retornamos à questão inicial sobre o que exatamente é o problema do sofrimento. Já vimos que não é uma contradição entre a existência de Deus e do sofrimento; e nem uma indiferença de Deus de acabar logo ele. Esses aspectos são apenas dificuldades pequenas que sempre foram resolvidas pelo cristianismo com facilidade. Uma simples leitura da Bíblia, sem grande esforço, nos mostra isso. 

Mas o problema do sofrimento verdadeiro não está em uma forma tão simples de explicar. Quando alguém propõe o verdadeiro problema do sofrimento, essa pessoa está querendo entender temas mais específicos como: por que Deus protege alguns e permite que outros sofram? Todos os sofrimentos têm um objetivo? Por que determinado sofrimento aconteceu a esta pessoa? Qual o objetivo desse sofrimento ou, mesmo, desse tipo de sofrimento? Todos os sofrimentos são necessários? Deus não poderia evitar alguns sofrimentos apenas por amor? 

Note que não lidamos mais aqui com a esfera geral do sofrimento. Não é mais o sofrimento humano que está em jogo, mas o sofrimento específico de cada indivíduo humano. É por isso que o problema do sofrimento está fortemente relacionado às nossas emoções. Quando uma mãe tem seu filho morto de modo brutal por um bandido ou quando um pai vê seu filho pequeno sofrer de câncer, eles não estão interessados em saber que o pecado do ser humano faz o mundo ser mal e que um dia o sofrimento vai acabar quando Jesus voltar. Eles querem saber se aquele sofrimento específico, tão doído, tão incompreensível, realmente era necessário. 

Então, o problema real do sofrimento é a existência de sofrimentos que parecem não fazer sentido. Se estes sofrimentos não fazem mesmo sentido, se são desnecessários, se poderiam ser evitados, por que eles existem? Tendo compreendido isso, podemos começar a esboçar uma resposta para o problema. 

O Sentido do Sofrimento 

Para começar a resolver o problema do sofrimento nós devemos ter em mente que cada caso é um caso. Isso significa, em primeiro lugar, que não há como solucionar o problema do sofrimento por inteiro. Solucioná-lo por inteiro seria analisar todos os sofrimentos que todas as pessoas do mundo já passaram e provar que cada um deles foi necessário. Evidentemente isso é uma tarefa impossível para nós. 

Em segundo lugar, dizer que cada caso é um caso é dizer que para cada sofrimento permitido por Deus a alguém existe uma série de circunstâncias envolvidas que diferem de caso para caso. A maior parte delas não é conhecida por nós e por isso nós só podemos trabalhar com hipóteses. Mas se pudermos observar que existem hipóteses possíveis e prováveis para a necessidade de alguns sofrimentos, isso já é o suficiente para dizer que Deus tem boas razões para permiti-los. Afinal, se Deus sabe de todas as coisas, sabe melhor das circunstâncias do que nós. 

Esses dois parágrafos podem parecer uma tentativa de fuga do problema, mas não é. Estamos trabalhando com a idéia de que Deus é um ser supremo, que sabe de todas as coisas; e que nós somos seres limitados, que mal enxergamos o aqui e o agora. É uma visão clássica, e, se verdadeira, implica que Deus tem um melhor panorama da história inteira da humanidade do que qualquer um de nós. A fim de tornar isso mais claro para o leitor, irei usar aqui dois exemplos. O primeiro é um trecho de um filme chamado O curioso caso de Benjamin Button, narrado pelo ator Brad Pitt, que interpreta o Benjamin Button. Preste a atenção na narrativa de Button: 
Uma mulher em Paris estava indo fazer compras, mas ela esquecera o seu casaco e voltou para pegá-lo. Quando ela pegou o seu casaco, o telefone tocou e ela resolveu atender e conversou por alguns minutos. Enquanto ela alava ao telefone, Dayse [a mulher que Button amava] estava ensaiando para uma apresentação na ópera Hauss, em Paris. E, enquanto ela ensaiava, a mulher, após o telefonema, saiu para pegar um táxi. 
Um taxista deixou um passageiro mais cedo e parou para tomar uma xícara de café. Enquanto isso, Dayse estava ensaiando. E este taxista que deixou um passageiro mais cedo e havia parado para tomar uma xícara de café, pegou a mulher que estava saindo para fazer compras e que não pegou um táxi mais cedo. O táxi teve que parar – um homem atravessou a rua, saindo para o trabalho cinco minutos mais tarde do que de costume; porque se esqueceu de ajustar o seu despertador. Enquanto aquele homem estava atravessando a rua, Dayse terminou de ensaiar e estava tomando banho.  
Enquanto Dayse tomava banho, o taxista esperava pela mulher do pacote [a mulher parou numa loja para pegar algo que havia encomendado] que ainda não fora embrulhado, porque a moça que devia embrulhar, rompeu com seu namorado na noite anterior; e esqueceu. Quando ele estava embrulhado, a mulher que tinha voltado ao táxi foi bloqueada por um caminhão de entrega. Enquanto isso, Dayse estava se arrumando. O caminhão de entrega se afastou e o táxi pôde seguir em frente, enquanto Dayse, a última a se arrumar, esperava pela amiga dela, cujo cadarço arrebentara.  
Enquanto o táxi estava parado, esperando o sinal abrir, Dayse e sua amiga saíam pelos fundos do Teatro. Se, ao menos uma coisa, tivesse ocorrido diferente; se o cadarço não tivesse arrebentado, ou se o caminhão de entrega tivesse se afastado antes, ou se o pacote tivesse sido embrulhado antes porque a moça não rompera com seu namorado, ou se aquele homem tivesse ajustado seu despertador e acordado cinco minutos antes, ou se o taxista não tivesse parado para tomar uma xícara de café, ou se a mulher tivesse se lembrado do casaco dela e pego o táxi mais cedo, Dayse e sua amiga teriam atravessado a rua e o táxi não a teria atropelado. Mas, sendo a vida como ela é: uma série de eventos incidentes interligados, que não se pode controlar, aquele táxi não passou direto, o motorista teve um momento de distração, e o táxi atropelou Dayse, e quebrou a perna dela [1]. 
Esta cena que transcrevi do filme (se o leitor não viu o filme, veja e entenderá melhor a cena) nos dá um belo panorama sobre como cada situação depende de uma série de pequenas outras situações. Se, por exemplo, alguém dissesse ao taxista que ele não poderia tomar aquela xícara de café (o que, em si, não tem nada de mal) com certeza ele não entenderia nada. E ficaria ainda mais confuso se dissessem a ele que por causa dessa xícara de café, ele atropelaria uma mulher. 

Falando sobre este mesmo assunto, o filósofo e teólogo William Lane Craig oferece um exemplo de outro filme, Sliding Doors (No Brasil, De caso com o acaso). Neste, uma mulher corre para pegar o metrô. Então, o filme se divide em duas possíveis situações: na primeira, a mulher consegue entrar no metrô e na segunda, as portas se fecham antes que ela consiga entrar. Na hipótese em que ela pega o metrô, uma série de circunstâncias faz com que sua história mude; ela se torna bem sucedida e próspera. Já na segunda hipótese, a mesma mulher passa por uma série de fracassos, misérias e infelicidade. E tudo a partir de uma simples diferença no tempo entre sua corrida e o fechamento das portas do metrô. 

Ora, essa diferença, no filme, depende de uma garotinha brincando com sua boneca nas escadas, que, numa realidade, é apanhada rapidamente pelo pai, e, noutra, acaba por atrapalhar a corrida da mulher. Lembrando isso, Craig começa a dizer que muitas outras trivialidades poderiam ter acarretado aquela situação. O Pai e a filha poderiam estar atrasados naquela manhã porque a garotinha não gostou do cereal que sua mãe colocou no café da manhã daquele dia. O homem pode não ter dado atenção a sua filha porque estava chateado por ter brigado com a esposa ou preocupado com algo que leu no jornal. Enfim, tal como no filme de Button, o conjunto de situações aparentemente triviais que contribuíram para mudar uma vida começa a se multiplicar até um ponto em que as ramificações se tornam praticamente incalculáveis. 

O arremate de Craig é interessante: Ele conta que, no fim do filme, a jovem feliz e bem sucedida da primeira hipótese é morta em um acidente, enquanto que a vida cheia de miséria e infelicidade da mulher da segunda hipótese melhora bastante e ela permanece viva. Em outras palavras, a vida realmente boa foi a da mulher que muito sofreu. O apologista ainda ressalta que seu objetivo não é dizer que tudo sempre termina bem, mas que “dada a estonteante complexidade da vida, nós não estamos na posição de julgar que Deus não tem razões suficientes para permitir [que] algumas situações de sofrimento [aparentemente sem sentido] ocorram em nossas vidas” [2]. 

Esse é o ponto-chave. Deus apresenta a capacidade de saber tudo o que pode acontecer no futuro, sejam quais sejam as nossas escolhas. Portanto, o trabalho de Deus é agir na história do mundo de maneira que, sem quebrar o livre arbítrio humano, ele consiga alcançar os seus objetivos, que são santos e perfeitos e, por isso, prioridade em relação até os nossos planos. 

Não obstante, os filmes não constituem a realidade. Será que existem exemplos reais de sofrimentos, aparentemente sem sentido, cujo nexo pôde ser observado algum tempo depois? É claro que sim! Um exemplo é o de um homem chamado Nick Vujicic. 

Nick Vujicic nasceu em uma família cristã, que era firme na igreja. Sua mãe era enfermeira e, por isso, sua gestação ocorreu dentro dos cuidados de saúde necessários. Contudo, Nick nasceu sem braços e sem pernas. Os únicos membros que tinha, se podemos chamá-los de membros, eram dois pequenos pés mal formados. Ninguém na família e na igreja entendeu por que Deus havia permitido aquilo. 

Durante a infância, Nick sofreu muito preconceito na escola. As crianças não faziam amizade com ele e também não gostavam de se aproximar. Os familiares e os amigos de igreja o olhavam como um pobre coitado, e ninguém acreditava que ele poderia ser alguém na vida; nem mesmo ele. Assim, quando tinha oito anos, tentou suicídio em uma banheira, virando-se umas três ou quatro vezes. Mas a cada vez que fazia isso, pensava nos seus pais, que faziam tanto por ele; em como os mesmos se sentiriam culpados e entristecidos se ele se matasse. Isso o impediu. 

Nick continuou com depressões e, principalmente, chateado com Deus. Chegou, inclusive, a pedir a Deus que ele lhe fizesse nascer braços e pernas. Sua vida começou a mudar, no entanto, quando sua mãe lhe mostrou um artigo de jornal sobre um homem que lidava com grave deficiência. A partir dali, Nick percebeu que não era o único que precisava lidar com problemas graves. E mais: Começou a perceber que a felicidade não residia no fato de se ter braços e pernas e que, mesmo com a deficiência, ele podia fazer uma série de coisas, o que acabava sendo inspirador para muitas pessoas. 

Resultado: Nick começou a agradecer a Deus por estar vivo, entregou a sua vida a Jesus ainda na adolescência e com dezessete anos passou a dar palestras em seu grupo de oração. Depois disso, Nick se formou em contabilidade e planejamento financeiro, iniciou uma organização sem fins lucrativos de nome Life Without Limbs (Vida Sem Membros) e começou uma série de viagens por vários países, dando palestras motivacionais e pregando o evangelho. 

Hoje, Nick tem uma vida financeira estável, trabalha com o que gosta, faz quase tudo sozinho (coisas como tomar banho, fazer comida, escrever, pegar o controle da televisão, se arrumar, subir e descer as escadas, atender ao telefone, andar de skate, levar o cachorro para passear, nadar, boiar e até surfar), já visitou mais de 25 países, já deu palestras para mais de 3 milhões de pessoas, já ajudou na salvação de muitos (tanto física quanto espiritual), casou-se com uma mulher fisicamente normal (e bonita, diga-se de passagem), se tornou pai, recentemente e é extremamente feliz. [3].

Ora, eu poderia descrever aqui muitas outras histórias reais, com o intuito de mostrar como um sofrimento, aparentemente sem nexo, foi importante para que determinado plano de Deus pudesse ser alcançado, mas esta já é suficiente para nossa análise. 

Bem, devemos lembrar que ele não nasceu assim porque “Deus assim o criou”. Ele nasceu assim em função de uma anomalia natural que, Deus já sabia que ele teria, mas não impediu. Mas por que Deus não impediu essa anomalia, se sua família era cristã e firme na igreja? É óbvio: Porque Deus queria que Nick superasse aquele problema, tornando-se um exemplo para várias pessoas e um instrumento pelo qual o Senhor salvaria muita gente. Provavelmente Nick não faria nem dois por cento do que faz hoje se tivesse nascido com braços e pernas como a maioria das pessoas. 

Mas o ponto-chave dessa história é que, embora seja possível para nós entendermos o motivo do sofrimento nela, seu protagonista demorara anos para que tivesse a mesma compreensão. Esse é um dos motivos pelos quais não convém tentar analisar cada sofrimento que passamos para tentar achar o propósito deles. Em geral, não chegaremos a lugar nenhum porque falta-nos saber de diversos pontos. 

Por certo, sabendo que Deus é perfeito e onisciente, ele leva em conta diversos pontos para que permita ou não um mal aparentemente desnecessário na vida de alguém. Pontos como: a sua vida oração, a sua sinceridade, a sua conduta, os seus erros, a sua família, a sua casa, a sua vizinhança, os seus amigos, o seu bairro, a sua cidade, o seu trabalho, as pessoas a sua volta, a humanidade, a história do mundo, a conversão de terceiros, as conseqüências de seus atos, o que este alguém já sofreu, o que este alguém precisa sofrer para aprender algo importante ou para mudar a vida de alguém e etc. 

Deus conhece a relação que já existe ou que irá existir entre o sofrimento e cada um desses pontos. Deus conhece quais as conseqüências de se permitir ou não um sofrimento levando em conta cada circunstância envolvida. É por isso que não vejo problema em crer que cada sofrimento tem um propósito, que talvez não saibamos, mas que Deus sabe. 

Mas suponhamos que realmente exista uma classe de sofrimentos que não apresentem nenhum propósito. É possível dizer que esta classe de sofrimentos não é impedida por Deus porque as circunstâncias não o permitem. É possível que esta classe de sofrimentos seja tão-somente conseqüência inevitável de se viver em um mundo mal e que, por mais que Deus queira evitá-los, não o pode. Talvez Deus só possa evitar alguns sofrimentos controlando mentes, coisa que não faz. Pode ser que sua intervenção em determinados sofrimentos possam desencadear problemas ainda piores. Não temos como saber ao certo, mas são panoramas possíveis e que não podem simplesmente ser taxados de improváveis. Improvável é que nossa visão limitada da realidade seja a mesma visão que tem um ser onisciente. Por certo um ser onisciente enxerga bem mais que nós. 

Agora, mesmo sabendo que é impossível analisar todas as circunstâncias envolvidas em cada situação de sofrimento, a solução do problema ainda não é satisfatória para quem está sentindo na pele algum tipo de sofrimento aparentemente sem necessidade. Quem está sofrendo, não quer saber de explicações filosóficas, mas quer sim uma explicação que gere conforto. É aqui que devemos fechar nosso arsenal filosófico e ser sensível à dor que está passando o nosso próximo. 

O Maior dos Sofredores 

Ninguém sofre mais no universo do que Deus. Todas as injustiças do mundo são, primeiro, injustiças contra ele. Quando o homem desobedeceu a Deus, e cometendo o primeiro pecado, ele foi injustiçado. Por que um ser que nunca pecou mereceria aquele sofrimento de ver sua obra-prima se rebelando e se per-dendo na vida? E, a partir dali a injustiça contra Deus não parou mais. Houve o primeiro assassinato, o segundo e muitos outros; e os furtos; e os adultérios; as mentiras; a hipocrisia; a preguiça; os machismos e feminismos; as blasfêmias; a impiedade. Todos os pecados do mundo são pecados contra Deus. 

Mas Deus não sofreu somente como sendo Deus; sofreu ainda um pouco mais. Sofreu como homem também. Se tornou como uma de suas criaturas caídas e passou por cada sofrimento que já o remoía no céu. Sentiu calor, frio, cansaço, dor, fome, sede e estresse. Estresse sobre-humano em um corpo de mero homem de carne, ossos e sangue. 

Como se não bastasse, Deus passou ainda a sofrer mais um pouco, agora como habitante do corpo e da mente de alguns desses seres humanos que, apesar de o aceitarem, continuam a pecar quase todos os dias. E como sofre Deus, sendo Espírito Santo e sensível, com estes que não querem ouvir a sua voz! O cristão que se estrepa após ignorar a Deus, não sofre mais que o Espírito que tanto insistiu com ele. 

Deus sofreu e sofre todos os dias. Por cada morte, por cada desvio, por cada lágrima, por cada pecado cometido contra ele e contra as suas criaturas; porque para Deus todo pecado lhe machuca, todo pecado é injusto para com a sua bondade, todo o pecado é pecado, não importa o tamanho. 

Deus é o ser mais injustiçado do mundo. Às vezes nós reclamamos que alguns sofrimentos que passamos parecem ser desproporcionais aos nossos erros. Pensamos: “Meus erros não são tão grandes para que eu mereça tamanho sofrimento”. Mas o que diríamos de Deus, que nunca cometeu pecado algum? Para ele, qualquer sofrimento é infinitamente injusto. 

Não há quem conheça melhor o sofrimento, a injustiça e a dor do que Deus. E é por isso que nós devemos crer que ele realmente se importa com o que passamos. Não importa o quão pecador o leitor seja, ou quão pequeno seja para a sociedade, Deus se importa com o seu sofrimento e, por certo, fará todo o possível para livrá-lo. 

O mundo é mal, sem dúvida, mas duas coisas nós não devemos esquecer: a primeira é que ele seria muito pior se Deus não trabalhasse todos os dias, todas as horas, a cada minuto e segundo para evitar sofrimentos piores. Vemos os sofrimentos a todo o memento, mas quem é que vê os sofrimentos dos quais Deus nos livra? Quantas vezes não teremos sido salvos da morte ou de terríveis enfermidades, ou de tristezas que de nenhum modo não suportaríamos? E quantos sofrimentos dos quais nós reclamamos tanto não foram dos menores permitidos por Deus ou os responsáveis por não passarmos por algo pior? Coisas assim acontecem e algumas vezes nós podemos visualizar isso em nossas vidas. 

A segunda é que, por mais sofrimentos que passemos ou que vejamos nesse mundo, a Bíblia nos orienta a não olhar para as coisas daqui debaixo, mas sim para as de lá do alto. Porque os sofrimentos que passamos nesse mundo são demasiadamente leves e curtos se comparados à glória que teremos quando Deus limpar o mundo do pecado. Qualquer injustiça que alguém tenha passado por aqui será massacrada pela felicidade, pela justiça, pela dupla honra que teremos se aceitarmos Jesus como nosso Senhor e Salvador. 

Portanto, o problema do sofrimento parece encontrar sua solução quando observamos o quão bondoso, poderoso, sábio, fiel, sensível e companheiro é o nosso Deus. Ele tudo sabe, tudo ouve e tudo vê, como diz um velho hino cristão. E por mais que esse parágrafo pareça conter uma mensagem tão simples, essa é a síntese da resolução do problema do sofrimento. 

O golpe final sobre o ateísmo

Tendo provido uma solução para o tão temido problema do sofrimento, é necessário que o leitor entenda quão grande é a incoerência de um ateu sustentar este “problema” como prova da inexistência de Deus. Como vem sendo evidenciado ao longo deste livro, o verdadeiro ateísmo não deve apresentar nenhuma concepção de valores morais, posto que não há nenhuma base para que o ateu diga que algo é absolutamente bom ou mal, certo ou errado. 

Há quem não entenda esta linha de raciocínio e insista em concluir que estou acusando os ateus de serem imorais. Mas, não é isso. O ponto é que, se Deus não existe, todas as coisas são relativas. O que é mal para você, pode ser bom para mim. E quem vai dizer que eu estou definitivamente errado? A sociedade diz que estamos errados por questão de ordem. A minha biologia diz que estou errado por questão de preservação da espécie humana. Mas por que eu devo adotar como padrões a sociedade e a biologia? O que me prova que elas devem ser os padrões? O que me prova que o egoísmo é errado e que eu devo pensar na ordem e na preservação da espécie? E por que devo me importar com o próximo e com o mundo se um dia tudo irá acabar para todos, inclusive para mim? 

Se somos apenas fruto de sorte e acaso, se viemos do nada e para o nada vamos jazer eternamente no esquecimento, o que fazemos ou deixamos de fazer nesta terra não tem importân-cia nenhuma. Portanto, não temos obrigação de nada. Valores são ilusórios e dispensáveis – tentativas de fugir da realidade. 

Uma música de título Mondo Muderno, do cantor Jay Vaquer [4], apresenta o que eu chamaria de “ateísmo perfeito” em sua letra. Sinceramente não sei qual era a crítica que o cantor desejava fazer quando escreveu a canção, mas seja como for, cai como uma luva para a caracterização de um mundo ateísta que realmente encarasse às conseqüências de sua escolha. Diz assim a música: 

Tudo que faço é pra mim
Até a bondade que ofereço
Fui evoluindo assim
Pra conseguir o que mereço

Questão de sobrevivência
Quem falou em decência?
Passo por cima pra ninguém me atropelar 
O que é que há? Sai pra lá!
O seu vem depois, muito natural 
Depois, se sobrar tempo, meu caro
Vou ser a pessoa mais legal
Se restar alguma migalha, fui claro?

Depois, se sobrar espaço
Ninguém é de ferro
Ninguém é de aço
E é no berro que faço
o diacho pra garantir o meu
compreendeu?
Com certeza!
A seleção natural é da natureza
então por gentileza
vê se não cansa a beleza
e responda à seguinte questão:

Você é diferente?
Não é assim?
A gente logo sente
Quem é ruim
Você, Madre Teresa
Uma bondade só
Vai ensinar ao mundo
Um amor maior 

Cada frase da música forma um bom argumento para que não se tenha moral em um mundo sem Deus, no qual somos resultados de um processo cego de evolução e seleção natural. E, havendo apenas uma vida, nada mais natural que não se perca tempo com outras pessoas, a não ser que seja para interesse próprio. 

O grande problema é que a maioria dos ateus não tem coragem de aceitar a realidade do paradigma ateísta, chegando ao cúmulo de apontar Deus como imoral pelo fato de haver sofrimento no mundo. Vê-se de longe a desonestidade: Se realmente o motivo pelo qual o ateu não acreditasse em Deus fosse o sofrimento no mundo, passar a sustentar uma visão de mundo que acaba com a existência da moralidade é trocar seis por meia dúzia. Tornar-se ateu, em sua essência, deveria ser: assumir que maldade e bondade são ilusões, e que ninguém tem absolutamente obrigação de nada. 

Portanto, terminado, devo dizer que o problema do sofrimento humano não logra êxito algum em sua tentativa de tentar provar que Deus não existe. E concluo com a seguinte assertiva: A existência do sofrimento, juntamente com a promessa de que um dia o Senhor o destruirá, apenas mostra o caráter imaculado de Deus, que concedeu ao homem a possibilidade de escolha e, mesmo o ser humano tendo feito a escolha errada, o Senhor da Pureza fez questão de salvá-lo, passando ele mesmo pelo problema do sofrimento.
___________
Referências:

1. O trecho transcrito de "O Curioso caso de Benjamin Button", pode ser visto, em vídeo, neste link: http://www.youtube.com/watch?v=8pQ4Bu700Bw

2. Palestra do filósofo e teólogo William Lane Craig sobre o problema do sofrimento, baseada em seu livro "Apologética para questões difíceis da vida", pela editora Vida Nova (2010 - Primeira Edição), páginas 81-121.

3. A história de Nick Vujicic pode ser encontrada, em vídeos, pelo leitor no seguinte link:
http://direcaodivina.blogspot.com.br/2012/04/testemunho-de-nick-vujicic.html

http://direcaodivina.blogspot.com.br/2012/09/nick-vujicic-casou-se-testemunho.html


4. A música "Mondo Muderno" de Jay Vaquer, pode ser encontrada neste link:
http://www.youtube.com/watch?v=9wMcq9G7HEs

Um comentário:

  1. Creio que a questão colocada por Hume está na crença de quem tem crença como se a crença instanciasse uma realidade.
    Em "Se ele [Deus] quer evitar o mal, mas não é capaz de fazê-lo, então ele é impotente. Se ele é capaz, mas não quer evitá-lo, então ele é malévolo. Ora, se ele quer evitar o mal e é capaz de evitá-lo, então como se explica o mal?" a questão de fundo é: se você criou este deus para poder-se dizer o que aí está dito, então, você é o limite do deus que, afinal, precisa de você para dizer que ele existe e faz.

    Se o deus, tal como você o faz, existisse, a questão não poderia ter sido colocada por Hume.

    Logo, deus não existe.

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