sexta-feira, 4 de julho de 2014

Breves considerações sobre a lei II: sobre "innomos"

O mesmo Paulo que diz que não estamos mais debaixo da lei e sim da graça (Romanos 6:14), também afirma em carta aos Efésios:

"Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no Reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com palavras vãs; porque, por essas coisas, vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Portanto, não sejais participantes com eles" (Efésios 5:5-7).

Ele também diz o seguinte em sua primeira carta aos coríntios:

"Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores entrarão no reino de Deus" (I Coríntios 6:9-10).

Se voltarmos a carta aos romanos, um versículo depois de Paulo afirmar que não estamos mais debaixo da lei, mas da graça, vemos ele dizer: "E daí? Havemos de pecar por não estar mais debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum!" (Romanos 6:15).

A leitura desses três textos nos faz entender uma coisa: quando Paulo diz que não estamos mais debaixo da lei, mas da graça, não está dizendo que toda a lei exposta no no Antigo Testamento foi abolida e não devemos mais segui-la. Afinal, ele reafirma bastante coisa que a lei do Antigo Testamento já dizia. A lei dizia para não matar, para não idolatrar, para não maldizer, para não roubar e etc. Paulo não só reafirma tudo isso como enfatiza que quem vive transgredindo esses preceitos, sem se arrepender, não vai entrar no Reino de Deus. Em outras palavras, não será salvo.

A pergunta que surge então é a seguinte: o que Paulo queria dizer com a expressão "debaixo da lei"? 

A expressão utilizada por Paulo vem do grego "Innomos" que quer dizer literalmente "dentro da lei". Mas Paulo não usa esta expressão para se referir propriamente a lei, mas sim ao contexto da lei. Vamos entender melhor.

Na cabeça de Paulo a história se dividia em dois contextos: um pré-sacrifício de Cristo e um pós-sacrifício de Cristo. No primeiro contexto havia a lei, mas Cristo ainda não havia se sacrificado. Então, a salvação era apenas uma promessa a ser concretizada.

A lei, nesse contexto pré-sacrifício de Cristo geralmente é retratada por Paulo como sendo condenatória. Mas é importante observar que isso não é uma crítica de Paulo à lei. Ele a retrata de forma condenatória porque em um contexto onde Cristo ainda não concretizou a salvação de ninguém, a lei, que é o padrão moral de certo e errado, condena definitivamente os pecadores à morte. E não há quem possa reverter isso.

Perceba que o problema não está na lei, mas no homem, que é pecador. A mesma lei que condena o pecador, absolve a Cristo, pois Ele não peca. 

Então, o contexto pré-sacrifício de Cristo é um contexto de condenação e morte, não porque a lei é ruim e sim porque Cristo ainda não se sacrificou por nós. Só por isso. É precisamente isso que Paulo diz em I Coríntios 3:1-11 (texto que tanta gente interpreta erroneamente). Nessa passagem ele chama o contexto pré-sacrifício de Cristo de ministério da morte e o contexto pós-sacrifício de Cristo de ministério do Espírito. 

No primeiro, tínhamos apenas a lei em letras, sozinha, o que nos condena pelo pecado. No segundo, temos o sacrifício consumado de Cristo, que nos absolve. No primeiro, a lei está em letras gravadas em pedras apenas. No segundo, Cristo nos dá seu Espírito para habitar em nós, e a lei passa a ser gravada em nós. O primeiro foi glorioso porque apontava para o futuro sacrifício de Cristo. O segundo é muito mais glorioso porque aponta para o sacrifício já consumado de Cristo.

Enfim, Paulo não condena a lei. Ele apenas se esforça para mostrar que a lei não tem função de salvação e que um contexto sem sacrifício de Cristo é um contexto de condenação e morte. 

Trazendo isso para a discussão em Romanos, quando Paulo fala que não estamos mais dentro da lei, está dizendo que não estamos mais daquele do contexto condenatório da lei, mas sim dentro do contexto da graça concretizada de Deus. 

Embora isso não seja tão visível à primeira vista, qualquer um que sente para analisar detidamente a questão, vai perceber que Paulo não estaria falando contra a lei e ao mesmo tempo orientando a agirmos conforme seus preceitos.

Aí é a hora do leitor perguntar: "Ora, mas se Paulo não ensinava a abolição da lei, como é que ele fala contra os preceitos ritualísticos dos judeus?". Ora, porque esses preceitos eram ritualísticos. Os rituais judaicos foram dados por Deus com uma única finalidade: apontar para o futuro sacrifício de Cristo. Uma vez que Cristo já se sacrificou, esses rituis cumpriram sua finalidade e agora podem se aposentar. Neste caso, a lei continua sendo cumprida, pois ela mesma determinava que Cristo, o verdadeiro sacrifício, substituiria os rituais que apenas apontavam para Ele.

Agora, a mesma compreensão não pode ser estendida para as leis morais. Elas não foram dadas por Deus para apontar para o sacrifício de Cristo. Elas não se tornaram obsoletas porque Cristo morreu por nós.

Isso nos leva à conclusão de que o decálogo (os dez mandamentos) continuam em pleno vigor. Afinal, todo ele é constituído de mandamentos morais. Então, não se trata de legalismo lembrar aos cristãos que eles precisam cumprir os dez mandamentos (cuja a base deve estar fincada no amor). Quem disser que isso é legalismo, deverá condenar Paulo por ter dito que não entraria no céu quem se mantivesse desobedecendo estas leis.

Finalmente, quem está mais apto para falar sobre o assunto é o próprio Jesus, o Cristo. E ele diz o seguinte:

"Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo [pelos que estarão] no Reino dos Céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande [pelos que estarão] no Reino dos Céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no Reino dos Céus" (Mateus 5:17-20).

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