domingo, 10 de agosto de 2014

O deus do Evangelho Libertário (ou: Analisando a "Caiofabiologia")

Um amigo meu me mostrou há algum tempo um vídeo do Sr. Caio Fábio, líder do segmento religioso "Caminho da Graça". No vídeo em questão, o ex-pastor da igreja Presbiteriana é questionado por um internauta sobre se Jesus Cristo é Deus. O leitor se dizia estudante de filosofia e afirmava que algumas passagens da Bíblia lhe davam a impressão de que Jesus é menor que o Pai, que Jesus não é Deus, embora seja uma criatura muito evoluída. Para quem quiser ver o vídeo, coloco-o abaixo:


Bom, como é hábito meu, resolvi fazer algumas considerações por escrito sobre o vídeo do Caio Fábio, após assisti-lo. Antes de tudo, porém, gostaria de falar um dos motivos pelo qual não gosto do Sr. Caio: ele tem uma habilidade incrível de misturar verdades com mentiras. É, de fato, uma habilidade fantástica, pois quem consegue fazer isso bem, torna suas mentiras atrativas. É o que pretendo mostrar a você nessa análise. Vamos ao que interessa.

Repare que Caio Fábio, nesse vídeo, quer vender a ideia de que Deus é absurdo, impossível, que não cabe dentro da “caixinha”, que está totalmente além da nossa razão humana, que é incompreensível para o homem e que só pode ser sentido; sentido através da fé. Há muitas verdades aqui. Para nós, humanos, por exemplo, é absurdo pensar em algo que não tenha início. É algo que não conseguimos compreender direito. Isso não cabe em nossa mente finita. Mas Deus não tem início. Ele é eterno. A eternidade é absurda para a compreensão humana. 

Para nós, humanos, a Trindade também é absurda. É impossível entende-la em sua plenitude. Afinal, nós não somos seres triúnos. E é difícil você entender algo que você não é, nem nunca passou pela experiência. Mais que isso: É difícil compreender algo que não tem igual para se comparar. Não há exemplo na realidade que se compare a Trindade. E o ser humano só consegue compreender algo plenamente quando ele pode comparar. A Trindade é única e, portanto, incomparável.

Para nós, humanos, o amor de Deus também é absurdo. Simplesmente não é o que nós esperaríamos se Deus funcionasse da maneira como estamos acostumados a ver as coisas no mundo. Um amor tão forte a ponto de causar a morte de um Ser sem pecado para salvar seres imundos... Isso é o absurdo dos absurdos. Enfim, nesse sentido, Caio Fábio está certo. Deus está além da compreensão plena do ser humano. Ele está além do entendimento habitual do homem (o que é normal: Ele é Deus; nós somos meras criaturas finitas).

Agora, esse absurdo que Deus é para nós, humanos, não é um sinônimo de ser ilógico, irracional e sem sentido. Quando falo de lógica, razão e sentido, me refiro a um padrão de realidade que é imutável. Por exemplo: não existem coisas como um quadrado triângulo, um casado solteiro, um corrupto honesto, um preto branco. Estas coisas não existem porque a simples ideia delas é contraditória. São coisas ilógicas, irracionais, sem sentido. Se eu disser (para citar outro exemplo) que Deus é plenamente bom e plenamente mal, você saberá que estou falando algo impossível. Uma coisa anula a outra. Em outras palavras, existe um padrão lógico-racional na realidade. É um padrão de sentido que nunca é quebrado. Ele é inerente à realidade e à existência. O que quer que exista, se enquadra nesse padrão.

Você pode dizer: “Mas esse padrão pode ser quebrado por Deus, pois Ele o criou e está acima dele”. Está errado. Esse padrão não foi criado por Deus. Ele faz parte do próprio Ser de Deus, assim como o amor também não foi criado por Deus. Deus é amor. O amor é inerente à essência de Deus. É tão eterno quanto Deus porque é parte do próprio Deus. 

Se você entende isso, percebe que Deus é absurdo não no sentido de ser uma contradição lógica. Ele é absurdo, não no sentido de fugir a esse padrão de sentido da realidade. Ele é absurdo, mas não no mesmo sentido de ser capaz de ser plenamente bom e plenamente mal ao mesmo tempo, ou de ser corrupto e honesto ao mesmo tempo e etc.

Deus é absurdo em dois sentidos: (1) o de que a sua natureza é inigualável e está além do mundo físico, escapando, por isso, à nossa plena compreensão; e (2) o de que Ele quase sempre faz as coisas de modo diferente ao que esperaríamos ou estamos acostumados. Em ambos os sentidos não há quebra de razão e lógica, mas apenas a quebra de nossas expectativas humanas. Esperamos que Deus aja conforme nós agiríamos, ou que faça sentido à luz de nossos hábitos e nossa compreensão finita. E isso realmente não acontece. 

A salvação do ser humano por meio de um Deus que se faz homem mortal e simplesmente morre na cruz é o melhor exemplo disso. Não é o que esperávamos como seres de mente finita. Todos esperavam um herói, que arrancaria as cabeças dos romanos e seria o mais novo Alexandre o Grande. Esperávamos um Hércules, um Kratos, um Deus da Guerra. Então, ele veio como um cordeiro e morreu. Parece uma derrota. Parece não ter sentido. Parece, porque quebra com nossas expectativas. Mas só parece. Não quer dizer que realmente não tenha sentido, que não seja lógico e racional, que não possamos entender, ainda que seja estranho à primeira vista.

C. S. Lewis, ao falar sobre milagres, nos dá um exemplo muito interessante para mostrar que milagres não quebram as leis da natureza. Ele pede que imaginemos a seguinte situação: todo dia ele coloca três moedas dentro de sua gaveta. No final de quatro dias, quantas moedas ele terá? Doze moedas, não é? Mas se ele abrir a gaveta no quarto dia e lá só tiverem seis moedas? Ele deve concluir que as leis da matemática e da lógica foram quebradas? Claro que não! Essas leis nunca são quebradas. Três vezes o quatro sempre será igual a doze. O que ocorreu foi que alguém tirou seis moedas de lá. Então, o que foi quebrado não foram as leis da lógica e da matemática, mas apenas a nossa expectativa humana. E a nossa expectativa humana foi quebrada porque não contava com esse fator de que um ladrão tiraria seis moedas da gaveta.

A conclusão de C. S. Lewis é que é tolice dizer que milagres quebram leis da natureza. O que os milagres quebram são nossas expectativas, pois esperamos sempre que os eventos naturais ocorram sem a intervenção de Deus. Quando há uma intervenção, obviamente o evento não ocorrerá como esperávamos. O resultado será diferente. Mas as leis continuam intactas.

Sempre uso o exemplo da maçã. Se jogo uma maçã do quinto andar em direção ao chão, eu espero que ela vá atingir o chão. Mas se antes de ela atingir o chão, alguém estica a mão pela janela, lá no segundo andar, e pega a maçã, minha expectativa será frustrada. Isso não quer dizer que a lei da gravidade deixou de existir naquele momento, mas sim que um fator com o qual eu não contava entrou na equação: a mão de uma pessoa interceptando a queda da maçã.

É claro que, no caso das leis da natureza, elas podem ser revogadas se Deus desejar. Afinal, elas sim foram criadas por ele. Se Deus quiser tirar a gravidade da Terra, Ele a tirará. Mas no caso do padrão lógico-racional da realidade, isso não pode ser quebrado, pois é inerente à realidade e inerente a própria essência de Deus. O que se quebra são sempre as expectativas humanas.

Caio Fábio, no vídeo, pretende obscurecer este entendimento com o objetivo de desestimular o estudo racional da Bíblia. Para isso, ele vende a ideia de que esse padrão lógico-racional de realidade não existe. Ele faz o expectador acreditar que a razão e a lógica são invenções humanas ou, no máximo, criações de Deus. Com isso, somos levados a crer que Deus está além de toda a razão e lógica. Ao fazer-nos aceitar isso, ele pode se dar ao luxo de transformar a teologia e todo o conhecimento e estudo da Bíblia em lixos, em inutilidades. Você não precisa estudar. Você precisa crer. Só isso. Essa é a mensagem de Caio Fábio.

Repare que ele se recusa a responder a pergunta do espectador. Eu teria dezenas de respostas satisfatórias para oferecer baseadas no estudo lógico da Bíblia. Mas ele apenas se limita a dizer que o espectador que faz a pergunta é um “filosofozinho de merda” (traduzindo), que essa questão não tem resposta e que o espectador precisa crer para poder ficar satisfeito. Caio Fábio passa deliberadamente por cima de dezenas de passagens bíblicas que nos dizem para estudar e ser racional.

Mas o mais importante vem agora: Caio Fábio não faz isso sem perceber. Ele sabe muito bem o que está fazendo. Sabe como eu sei disso? Por duas coisas: 

(1) No vídeo ele faz questão de enfatizar a todo o momento que Ele já estudou tudo o que o espectador está estudando, que ele já sabe tudo o que o espectador vai perguntar, que ele já fez todos esses questionamentos, que ele detém amplo conhecimento bíblico, que ele já estudou teologia e filosofia a vida inteira, enfim, ele é o cara. Então, quando ele diz que o espectador não precisa estudar, o resultado final de seu discurso se traduz assim: “Aceite o que eu tô falando porque eu sei mais que você. Não precisa estudar, porque eu já estudei e sei tudo o que você precisa saber. Apenas acredite em mim”. 

(2) Na entrevista que ele oferece a Gentile, a primeira coisa que ele diz é que os evangélicos são ignorantes, que não querem ter conhecimento, que ele ofereceu durante trinta anos conhecimento para as mais diversas denominações e que agora ele mantém um programa chamado “Papo da Graça” onde ele ensina as pessoas a pensar.

Pense um pouco comigo, amigo leitor: Se por um lado ele diz que Deus é absurdo, que está além da razão, que não adianta tentar estudar teologia e Bíblia, que é desnecessário responder as nossas dúvidas (é o que ele diz ao cara que fez a pergunta), mas, por outro lado, afirma que os evangélicos precisam muito de conhecimento, que as denominações não oferecem conhecimento e que ele tem se esforçado para dar esse conhecimento aos evangélicos, o que você acha que ele está dizendo? É lógico. Ele está dizendo: “Tudo que não vem de mim está errado. Estude só o que eu digo, creia em mim e seja feliz!”.

Agora, somos capazes de entender toda a estratégia de Caio Fábio. Ele primeiro fala algumas coisas ambíguas como, por exemplo, que Deus é absurdo. Dizendo isso, ele ganha todos os cristãos, porque, em certo sentido, Deus é absurdo mesmo. Depois ele começa a transformar essa absurdidade em sinônimo de estar além da razão e da lógica. Aqui ele ganha quem está despercebido. O despercebido não repara que nesse sentido as afirmações de Caio estão erradas. Ele é enganado pelas palavras. Em seguida Caio despreza todo o estudo da Bíblia, da teologia e da filosofia, pois Deus está além disso. Como o despercebido já foi enganado no nível anterior, ele aceita essa afirmação também, como conseqüência. É neste momento que Caio Fábio começa a fincar sua autoridade, dizendo que ele é o único líder que detém o verdadeiro conhecimento e que os cristãos precisam disso. Pronto! Substituímos a teologia e a filosofia bíblica pela “Caiofabiologia”, uma matéria onde conhecemos Deus através do que Caio Fábio fala sobre a Bíblia. Sim, não deixa de ser fé.

Não estou dizendo, amigo leitor, que o Caio Fábio seja um farsante, um maldoso, que quer desviar os cristãos e destruir a vida das pessoas. Ou que ele é um desonesto que quer angariar evangélicos para o adorarem. Não! Acho que ele realmente está fazendo o que acha que é certo. A história do Caio é a história de muita gente. Ela se resume no seguinte: Ele se decepcionou com todas as denominações, começou a achar que nada de bom pode sair das igrejas tradicionais e concluiu que ele era um dos poucos que detinha a verdade. Como ele era pastor, decidiu continuar sendo um líder espiritual. Assim, criou um movimento que se baseia nessa verdade que ele acredita ser um dos poucos a possuir. Então, é natural que ele queira que as pessoas abandonem qualquer estudo teológico tradicional e focalizem suas mentes no que ele diz. Porque ele acha mesmo que detém a verdade. E ele desenvolve essa visão de possuidor da verdade através de um profundo ódio a quem está em denominações. Quanto mais ele odeia quem está nas denominações, mais ele acredita que é o único líder que detém a verdade. 

Não tenho como apreciar as ideias de um homem como esse. Ele pode ter a melhor das intenções, mas, para mim, ele não é nada diferente de homens como Edir Macedo e Valdemiro Santiago. Trata-se de um herege que está afastando as pessoas de estudarem a Bíblia Sagrada, que está desabituando as pessoas a estudarem e debaterem educadamente, que está centralizando as atenções nele. Seus seguidores são exatamente iguais aos seguidores de Macedo e Valdemiro: não sabem debater ideias. A diferença é que um grupo diz que você está endemoninhado, enquanto o grupo do Caio Fábio diz que você é religioso, hipócrita, fariseu e manda você tomar no c*. Debate inteligente e educado você não vai encontrar. Nenhum deles está interessado em Bíblia, mas em líderes humanos. 

Vou lhe dizer no que acredito, amigo leitor: acredito que o cristão deve ser inteligente o suficiente para ouvir o que os outros cristãos tem a dizer e a responder com honestidade e racionalidade, sempre baseado na Bíblia. Deve estar sempre aberto ao fato de que pode estar errado e sempre disposto a mudar de ideia quando, após acurada reflexão e estudo, descobre que defendia uma inverdade. Deve, acima de tudo, amar, respeitar e buscar entender todos os cristãos, tanto os liberais, que acham que graça é ter liberdade para fazer tudo, quanto os legalistas, que se prendem tanto ao pode-não-pode, que se tornam hipócritas e acusadores. 

Caio Fábio tem se esforçado arduamente para não fazer nada disso. É por isso que não tenho como apreciar suas ideias e sua pessoa. Eu sou prudente demais para cair no conto do vigário; tanto de um lado, quanto do outro. Eu fico com o equilíbrio em Cristo e a fé inabalável em sua Palavra. E meu conselho/lema para todos os cristãos continua sempre sendo o mesmo: “Não acredite no que estou falando só porque eu estou falando. Estude mesmo, meta as caras”.

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