sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O inferno é um lugar de tormento eterno?

A palavra “inferno” é usada nas Bíblias da Língua Portuguesa para traduzir três palavras originais:

- Sheol (do hebraico), que significa "sepultura, sepulcro, cova";

- Hades (do grego), que também pode ser usado como sinônimo de sepultura. Essa palavra foi escolhida pelos tradutores judeus da Bíblia Septuaginta (a primeira tradução do Antigo Testamento hebraico para o grego, em cerca de 250 a.C.);

- Geena (do grego), que era o nome de um vale que existia em Israel. À época de Jesus, esse vale era usado para se jogar lixo, bem como corpos de criminosos e indigentes.

Como se pode ver, nenhuma dessas palavras significa: “lugar de tormento eterno”.

Sheol e Hades designam simplesmente “sepultura”. O lugar para onde todos nós vamos quando morremos. Uma vez que a Bíblia também não ensina a imortalidade da alma, então quando morremos, nossa mente morre e ficamos inconscientes. Isso está claro em diversos textos, como Eclesiastes 9:5-6 e 10. Morremos de verdade. E ficamos mortos até Deus nos ressuscitar no dia do juízo final. Esse é o ensino bíblico. Ninguém que morre vai para o céu ou para o inferno direto. A morte é um sono. Um sonho sem sonhos, sem consciência. Não há atividade cerebral nesse período. Nossa consciência é desativada e retorna a Deus juntamente com nosso fôlego de vida, que ele nos dá.

Já a palavra Geena, não indica sepultura. Como eu disse, ela era um vale em que se jogava lixo e se queimava corpos. Geena (Ge Hinnon, em hebraico) ficava numa região chamada Tofete. No passado, quando Israel caiu em graves pecados, passando a seguir um deus pagão chamado Moloque, muitos israelitas sacrificaram crianças queimadas naquele local (Jeremias 7:31-32). Por essa razão, o vale virou sinônimo de um lugar amaldiçoado. Um lugar de morte.

Jesus usou esse vale como metáfora para indicar de que forma morreriam para sempre os ímpios. Assim como criminosos e indigentes eram queimados em Geena (e crianças, no passado), os ímpios também serão queimados, no juízo final, em local semelhante (o lago de fogo).

Jesus enfatiza que em Geena o fogo não se apaga, nem o verme morre. Ele diz isso porque Geena era um lugar em que constantemente se jogava lixo e corpos. Por isso sempre havia vermes e fogo.

A ideia dessa metáfora não é indicar que os ímpios seriam queimados eternamente. A ideia é enfatizar que enquanto houver o que queimar, o fogo queimará. Enquanto houver o que ser comido pelo verme, o verme comerá. Mas obviamente copos não são comidos e queimados para sempre. Um dia eles se acabam.

O Antigo Testamento está repleto de textos que indicam que os ímpios serão totalmente consumidos pelo fogo, morrendo. O melhor deles, na minha opinião, está em Malaquias 4:1-3. O texto diz que os ímpios serão totalmente abrasados, não sobrando nem raiz, nem ramos; se tornarão cinzas.

Com relação aos textos que usam termos como "fogo eterno", "fogo inextinguível", "fumaça que sobe pelos séculos dos séculos" e etc., entenda o seguinte: no hebraico e no grego é comum que palavras que significam "para sempre" e "eterno" tenham um sentido diferente quando aplicadas a coisas que são, por natureza, efêmeras (ou seja, coisas que não são eternas).

É o caso da palavra hebraica "olam" e das palavras gregas "aion", "aionio" e "aiones" (todas com o mesmo radical).

Por exemplo, no Antigo Testamento uma lei civil determinava que o servo que quisesse continuar trabalhando para o seu senhor após os seis anos que a legislação traçava como limite, deveria oficializar essa decisão perante um juiz através de um furo na orelha. Isso está em Êxodo 21:1-6. O verso 6 diz que após essa oficialização, o servo iria servir seu senhor “para sempre” (olam). Mas esse para sempre é, obviamente, só enquanto o servo viver. Se o servo morresse dez dias depois, não poderia mais servir.

Outro exemplo está no Salmo 23 em que Davi diz que habitará na Casa do Senhor para sempre. Algumas versões traduzem como "por longos dias". Não se sabe ao certo, pois não fica claro se Davi estava se referindo à eternidade com Deus ou à sua vida aqui na terra.

No Novo Testamento há um exemplo que está no livro de Judas, verso 7. Ali diz que as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo eterno. Mas essas cidades não estão queimando até hoje. Eterno aqui pode ser traduzido como "constante". Ou seja, o fogo queimou as cidades completamente, sem parar. Ele não se extinguiu até que tivesse queimado tudo.

O termo serve para mostrar que nada, nem ninguém escapou. Não houve uma chuva que tenha apagado o fogo em algumas áreas ou durante algum breve período de tempo, de modo que algumas pessoas pudessem escapar. Esse é o sentido de eterno aqui. Nada pode parar o fogo. Nada pode extingui-lo. Ele queima até não haver mais o que ser queimado. O fogo é eterno sim, mas não o material que ele consome.

Mesmo no português, existem alguns exemplos do gênero. Quando dizemos que um casal foi feliz para sempre, queremos dizer que ele foi feliz enquanto viveram. Quando digo que fulano sempre foi legal, esse sempre compreende apenas o tempo de vida dele (ou o tempo que eu o conhece). Não compreende a eternidade. Eu posso dizer, por exemplo, que meu primo sempre me levou ao parque quando eu era criança. Aqui o sempre compreende apenas o tempo em que eu era criança, não é um período que nunca teve fim. Da mesma forma, a Bíblia ensina que o lago de fogo queimará os ímpios apenas enquanto houver o que queimar.

O Apocalipse deixa isso mais claro quando diz que o inferno (Hades = Sepultura) e a morte serão lançadas no lago de fogo (Ap. 20:14). Ora, se o próprio Hades será lançado no lago de fogo, então ele não pode ser o próprio lago de fogo. Ele é a sepultura.
Se a sepultura e a morte serão lançadas no lago de fogo, isso quer dizer duas coisas: (1) há morte e sepultura para quem está no lago de fogo e (2) a morte e a sepultura, elas mesmas, morrerão no lago de fogo. Como? Logo após todos morrerem, pois não haverá mais ninguém para morrer e ser sepultado após a morte de todos. É por isso esse mesmo versículo diz que ser lançado no lago de fogo é a “segunda morte”. Ou seja, o que é lançado ali, morre de vez.

Aqueles que aceitam a teoria do inferno como um local de tormento eterno, esbarram em várias dificuldades, a maioria das quais eu não irei comentar neste post em benefício da concisão. Mas quero citar uma para terminar o texto: a Bíblia afirma que os salvos serão transformados, ganhando um corpo incorruptível e imortal (I Co 15:51-53). Esse benefício não é dado aos perdidos. Então, o corpo deles será queimado pelo fogo e eles morrerão. Se, de fato, existisse uma parte imaterial que sobrevivesse à morte do nosso corpo (alma), ela não seria queimada e atormentada pelas chamas do inferno, pois almas não são constituídas de matéria. E agora? Como fica a doutrina do tormento eterno da alma através do fogo?

Para resolver isso, é preciso ou (1) afirmar que o lago de fogo e o tormento nas chamas são uma metáfora para algum outro tipo de sofrimento que será infligido às chamadas “almas”, ou (2) afirmar que Deus dará também aos ímpios um corpo incorruptível e imortal, a fim de que eles queimem eternamente, sem serem consumidos. Tanto uma ideia como a outra não têm qualquer respaldo bíblico, bem como se constituem grandes erros de interpretação e lógica.

Então, em suma: o inferno como lugar de tormento eterno não existe. Tampouco o ser humano é um “fantasminha”, preso em um corpo físico, que vai para o céu ou para o inferno após morrer. O que acontece na morte é que, de fato, morremos. Quando Jesus ressuscitar, os salvos se tornarão eternos e viverão com ele; os ímpios e descrentes serão lançados no lago de fogo, que os consumirá até a morte. Então, serão exterminados.

Obs. 1: Quem discordar e quiser debater, o faça com educação, sem vir com ofensas e rótulos de herege. Use educação e Bíblia.

Obs. 2: Isso é um resumo. Há várias questões não analisadas aqui, tais como os textos que aparentam dar suporte à ideia de imortalidade da alma. Também não expus aqui as dezenas de textos do Antigo e do Novo Testamento que dão suporte às ideias que estou defendendo.

Obs. 3: As ideias aqui expostas não foram criadas por mim. Elas tem sido defendidas por uma série de teólogos sérios de diversas confissões genuinamente cristãs.

2 comentários:

  1. Sr. Davi, sou adventista do Setimo Dia também, e ja fui confrontado com essa "doutrina do inferno", mas, então, como entender Lucas 16, na parabola de rico e Lazaro em que fala que um foi para o inferno e outro para "o Seio de Abraão"?

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    1. Caro Luís Cláudio,

      Obrigado pelo comentário e desde já peço desculpas pela demora a responder. Como estou com o tempo apertado, darei uma resposta breve.

      A parábola de Lucas 16 é, como você mesmo entendeu, uma parábola. Parábolas são histórias simbólicas utilizadas para ensinar algo literal. Por isso elas não podem ser interpretadas literalmente, tampouco servirem de base para firmar doutrinas. Caso isso seja feito, teremos de aceitar coisas ridículas ou até imorais. Por exemplo, em Juízes 9:7-16, Jotão conta uma parábola onde árvores conversam entre si. E em Lucas 16:1-13, Jesus conta uma parábola sobre um administrador desonesto que se dá bem no final por ter sido astuto. A intenção de Jotão, obviamente, não era ensinar que árvores falam, e a intenção de Jesus não era ensinar a ser desonesto. Jotão falava sobre pessoas e Jesus queria passar uma lição sobre como as pessoas do mundo são astutas, portanto, não podemos ser bobos.

      No caso da parábola do rico e do Lázaro, Jesus quis ensinar sobre como os fariseus (e os judeus em geral) tratavam injustamente os gentios e se orgulhavam de sua posição como filhos de Abraão; e como eles iriam sofrer por isso.

      Entender a parábola como literal nos obrigará a aceitar absurdos como:

      (1) O inferno fica tão perto do céu que quem está no céu pode ver e conversar com quem está no inferno e vice-versa;

      (2) As almas dos mortos são físicas e podem sentir dor;

      (3) Os justos que morrem vão para o seio de Abraão (o seio de Abraão deve ser bem grande, não é?);

      (4) Os que viveram antes de Abraão e o próprio Abraão não foi para o seio de ninguém;

      (5) Jesus Cristo não tem qualquer relevância nessa história toda, pois nem é citado na parábola.

      Enfim, como podemos ver, entender essa parábola (e qualquer outra) literalmente é um grande equívoco. Jesus apenas se utilizou de elementos da mitologia greco-romana comuns à época, que muitos judeus conheciam, para fazer uma parábola impactante sobre o tema já mencionado. Certamente todos ali entenderam a proposta de Jesus.

      Att.,

      Davi Caldas.




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